Memórias.
Quando era pequeno, uma vez pensei em ter asas, asas seriam perfeitas para alçar voos.
Quando menino, achei que o mundo era correr, brincar e fazer besteiras que meus pais viviam brigando e ameaçando.
Quando era pequeno, vi meu pai de madrugada lavando os carros na garagem para faturar algum além do salário de porteiro. Também via a minha mãe quase todas as noites cuidando das feridas das frieiras de meu pai causadas por lavar carros em qualquer tempo.
Não me importava em acordar cedo para ajuda-lo, até porque me sentia na obrigação de fazer, muito embora ele não aprovasse.
Vi minha mãe acordando cedo, saía para trabalhar em algumas casas de família, nos dias que não tinha aula, ia eu grudado na asa dela para a casa das patroas, tinham algumas bem legais, outras eram muito más, eu não podia sair do quarto da empregada, mas mesmo assim, eu tinha alguns carrinhos, tinha também a imaginação de criança, que fazia daquele pequeno espaço uma espaçonave, de submarino, me embrenhando nos lençóis de baixa qualidade que era fornecido aos empregados, ou debaixo da cama de esquadras, onde fazia um forte apache.
Tive poucos amigos na infância, brincava com muitas crianças da rua, morava em Ipanema, antigamente tinham muitas vilas, era tão bom, corríamos entre os prédios e vilas, apertávamos as campainhas e saíamos correndo.
Quase todo o fim de semana alguém se quebrava e íamos em comissão para o Hospital Miguel Couto, engraçado que os médicos já conheciam a minha mãe, e claro, a nós todos.
Tempo que, mesmo com todas as dificuldades e diferenças sociais as quais eram sentidas principalmente nos dias das crianças, natal e aniversários.
Os aniversários não haviam temas, haviam amigos, alguns levavam refrigerantes e davam risadas.
Acho que a única tecnologia que tinha disponível era o rádio relógio. Mas era muito legal, o meu era da Sanyo, que comprei com o dinheiro que vendia sanduiches e café pelas ruas.
Pode até parecer um pouco triste, na verdade passei por todos os apuros de um menino pobre, mas com um talento irrefutável a ser feliz, apesar de tudo, sempre tive pais muito presentes, minha mãe até hoje, aos 84 anos, super presente, uma super mãe, que se pudesse, moraríamos abaixo de suas asas.
Depois, crescemos, deixamos a meninice de lado, nos tornamos adultos, daí, fazemos maiores besteiras, bebemos, conhecemos garotas, saíamos sem dizer para onde, só para enlouquecer os pais..
Uma certa vez, saí para comprar pão, era sábado de carnaval, encontrei com o Walmir e o falecido Edinho, disse que na rua Júlio de Castilhos havia uma banda, então fui com eles, pois era carnaval.
De lá, emendamos com a Banda de Ipanema, não poderia deixar de ir, Clássica, não é mesmo?
Depois fomos para o Baixo Gávea (um bairro discreto do Rio de Janeiro, mas muito bem frequentado, com a exceção de nós três...) e por lá falamos com outros amigos que nos convidaram para um lual no Leblon, e fomos todos.
O Lual terminou por volta das 4 da manhã, eu não tinha mais dinheiro, exceto o dinheiro do pão, e pão é sagrado na minha casa, então vim a pé do Leblon até Ipanema, uma caminha de uns 30 minutos.
Esperei alguns minutos na porta da padaria perto de casa, pois estava prestes a abrir, sentei e aguardei.
A porta se abriu, o dono era seu Maneco, já me conhecia, sempre comprava alí, e para ser franco, tínhamos uma conta no prego quase sempre, mas era quitado todo dia 5 quando meu pai recebia.
O nome da padaria era Panorama, não tinha nada demais, somente as bisnagas que eram ótimas, mas isso é assunto para a próxima história.
Comprei o pão e ainda levei algumas folhas de mortadela da promoção e sem titubear, fui em direção de casa.
Da esquina avistei uma Joaninha (fusquinha da polícia nos anos 80), uma viatura do Bombeiros, pensei; - Nossa, deve ter acontecido algo muito SINIIIISSSSSSTRO!
Quando cheguei mais perto, ouvi do Bombeiro Moreno (sabia o nome dele pois era meu professor de natação na praia), olha ele lá!
Olhei para traz e não vi ninguém, juro, me causou certo constrangimento e curiosidade, pois não havia ninguém atrás de mim, até porque eram 4 e meia da madrugada.
Quando, de repente, como uma leoa, com chinelas Havaianas em punho, como se fosse a lança do Medieval Cavaleiro Negro, só que sem o cavalo correndo em minha direção, pensei:
- Ferrou!
E somente isso deu tempo de pensar. Alguns segundos depois da avalanche de chineladas, mas sem soltar o pão, como eu disse, o pão era sagrado, o Cavaleiro Negro cansou e pararam a chineladas.
Olhei para o rosto dela aos prantos e pensei; "não seria eu que deveria estar chorando?".
Rapaz, pior não é isso, meu pai veio em minha direção. Minha vontade era simular um enfarto para ficar com pena de mim, mas lembrei que poderiam dar injeção em mim, e naquela ocasião, não sabia o que era pior, a mão pesada do meu pai ou a seringa da injeção.
Aguentei firme, fechei os olhos. Pronto para tudo...
Quando percebo, ela não me bateu, me deu um abraço apertado, perguntou o que aconteceu.
Expliquei, tomei bronca do Policial, do Bombeiro Moreno, da minha mãe que não chorava mais.
Claro que menti, disse que tentei ligar do orelhão (telefone público), mas que engoliu a ficha que tinha.
Mas reforcei, trouxe o pão.
Essas memórias são tão legais, hoje, que parei para recordar algumas, resolvi dividir com vocês.
Até breve.
Pedro Otavio