"Ó, admirada infância! Onde os dias não pesam e a dor cessa ao amanhecer. Onde os maiores medos são causados pela ignorância e não pelo saber. Tu que és tão admirada e tão bela. Por que se fazes tão escassa e tão breve?"
Certo dia ao ir para escola, quando ainda era menino, deparai-me com uma cena que certamente não poderia ser ignorada por mim. Um dos meus grandes amigos de sala fora ofendido injustamente, e nitidamente notava-se o seu descontentamento diante do ocorrido. O que se passava era que Lucas era cristão criado em família conservadora e de princípios rígidos. Tal criação era refletida no perfil de Lucas um menino reservado, que não falava palavras de baixo calão, que não fazia piadas relacionadas a sexo e sempre se mostrava bastante sem graça quando o assunto era esse.
Por ter esse tipo de comportamento, surgiu em forma de brincadeira por parte dos seus colegas de classe, aquilo que Lucas tomou para si como uma ofensa. Ele fora chamado de "gay" e isso mexeu com seu ego.
Naturalmente um menino hetero de sua idade se sentiria ofendido, pois desde muito cedo é ensinado algo que chamo de "orgulho hétero" aos meninos.Neste ponto "abro um parênteses" para uma reflexão. Creio que assim como a criança é ensinada a se comportar como homem ou mulher ela também deveria aprender a se comportar como ser humano tendo dentro de si os princípios essências da convivência humana, que são: respeito, tolerância, educação, paciência, empatia, persistência e amor ao próximo. Se tais princípios fossem tratados com grande orgulho assim como é feito a cerca da sexualidade tenho certeza que construiríamos uma sociedade melhor.
Jesus certa vez disse aos fariseus:
“Guias cegos, que coais o mosquito e engolis o camelo!” (Mateus 23:24). Isto foi dito porque os fariseus cumpriam certas exigências da lei de Moisés porém deixavam de cumprir muitas outras. Desta mesma forma agem as pessoas de nossa sociedade contemporânea: valorizam o gênero, a família tradicional, porém esquecem-se do respeito, da tolerância e do amor ao próximo.Voltando ao caso de Lucas.
Lucas não soube como reagir aquela situação. Mas sentia-se frustrado consigo mesmo e sentia sua imagem social péssima porque o tinham por algo que ele não era. Lucas não sabia como reverter aquela situação. Vendo isto decidi que tinha de fazer alguma coisa. Afinal, Lucas era o meu amigo e sabia que se estivesse no lugar dele eu gostaria de ter alguém que me ajudasse a enfrentar esta situação.
Era uma segunda-feira, acordei mais cedo que o de costume, liguei a televisão e estava passando um jornal matinal de uma dessas emissoras abertas. Deixei a tv ligada para ouvir as notícias enquanto preparava o meu café. Peguei a xícara de café junto com alguns biscoitos Mabel e sentei-me em frente a televisão. A princípio eu estava entretido com as notícias mas logo deparai-me absorto em meus pensamentos pró-empáticos a respeito de Lucas. Tinha de fazer alguma coisa para ajudá-lo.
Chegando à escola percebi que Lucas estava mais distante que o normal, meio inquieto e aéreo.
Chamei-o pelo nome e lhe disse:
- O que está te incomodando tanto? - Eu já imagina o que estava o incomodando, porém fiz a pergunta no intuito de introduzir o assunto no qual eu queria chegar.Lucas, desviando o olhar me respondeu com voz num tom meio baixo e embargado.
- Não, não é nada. Só estou meio pensativo hoje.Então lhe disse:
- Sim, percebi que você está bastante pensativo mesmo. E no que você está pensando?- Nada de mais. - Lucas retrucou
- Muitas vezes a introspecção excessiva se torna a porta de entrada para a ansiedade. É a partir daí que começamos a criar muros para nos protegermos das outras pessoas, enfraquecemos nossas convicções e passamos a colocar em cheque a nossa própria identidade. - Disse.
Lucas fitou seus olhos em mim como quem ouve algo que lhe chama a atenção.
Agora que eu havia cativado a atenção de Lucas para o tema era a hora de demonstrar empatia. Então continuei:
- Eu sei que nos momentos em que somos confrontados por situações que fogem do nosso controle temos a tendência de nos sentirmos fracos, incapazes de lidar com nossos problemas. Isto, por sua vez, acaba nos tornando dispersos, sempre pensando em como poderíamos ser pessoas melhores. Mas este pensamento trás junto consigo uma carga de cobrança e ansiedade que só nos desgastam cada vez mais e mais. Por isso, meu amigo, eu te aconselho a encarar essa situação com leveza. A melhor forma de encarar o que você está passando é não levando isso pro lado pessoal e ao invés disso seja simpático com quem está te ofendendo. Às vezes a melhor resposta para uma ofensa é a simpatia e a educação isso confunde quem está dirigindo a ofensa que esperava receber ou outra ofensa ou então o emudecimento ou o desconcerto do ofendido. Porém se vc responde com simpatia você desarma aquele que te está ofendendo. A atitude mais corajosa e honrada que alguém pode ter é diante de uma ofensa, reagir com simpatia. Diante de uma perseguição reagir com uma oração pelos seus perseguidores. Afinal, você sendo cristão, assim como eu, deve entender e viver o que Cristo disse: "se alguém te bate na face ofereça a outra." E também: "desejem o bem dos que vos maldizem, orem pelos que vos caluniam."
Lucas, ouviu tudo o que eu disse e notei em seu semblante um alívio da tensão que ele estava sentindo.
- Muito obrigado, Pedro. - Disse Lucas - Eu realmente precisava ouvir isso.
A partir de então Lucas deixou de se incomodar com isso e largou a introspecção excessiva pela socialização. Lucas ao invés de construir muros e se afastar dos outros colegas de classe decidiu que iria se tornar amigo deles. E assim aconteceu. Lucas não ficou ruminando pensamentos em sua cabeça que o levariam à insegurança e à ansiedade. Ao invés disso tomou as rédeas da sua vida e fez aquilo que fora ensinado desde criança a fazer: amar até mesmo os seus inimigos.
A história poderia ter sido diferente e Lucas poderia ter continuado a agir introspectivamente se distanciando cada vez mais da pessoas. Logo ele passaria a entrar na terra da insegurança e o resultado disso seria uma longa caminhada de frustração.
Depois da conversa que tive com Lucas ele passou a se abrir mais comigo e sempre que eu podia lhe dava conselhos para que ele resolvesse seus problemas. E assim também eu fazia com ele quando estava passando por alguma dificuldade. Em Lucas encontrei um bom amigo. Daqueles que se leva por uma vida inteira. Fico feliz por tê-lo ajudado a desviar-se da terra da insegurança.
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Primeiros Dias Na Terra
De TodoEste livro é sobre a história de um jovem rapaz, sonhador por natureza, grande idealizador, amante dos bons prazeres da vida. Porém inserido em uma sociedade simplista, em uma realidade caótica e em um corpo caído. Como é possível a liberdade coexi...