O EXU AVISOU

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Havíamos acabado de cumprir um "resguardo" de um mês para Lúcifer, e estávamos todos loucos para beber e foder.

Naquela época, eu frequentava um terreiro de macumba e havíamos feito uma homenagem ao Exu Maioral, ou Lúcifer, como preferir. Os mandamentos da quimbanda regem que após um ritual sagrado em nome de Lúcifer, os participantes devem ficar, de certa forma, reclusos e em estado de purificação e vigília. Isso implicava não pensar muita merda, não foder ou bater punheta, não beber e muito menos fumar maconha. E caso quebre a corrente, o pobre diabo deve prestar contas ao Maioral. Diz a lenda que o Maioral não é muito de conversas ou sermões, ele mata logo o "burro".

Já ia me esquecendo, não pode lavar a cabeça também, pois são jogados banhos de ervas sagradas e benzidas. Meu cabelo era comprido e crespo. Na faculdade, a galera sempre dizia:

– Ô, Abutre, se você lavar a cabeça, seu cabelo vai ficar até mais brilhoso!

– É mesmo?

Quem cumpre com o resguardo intacto recebe condecorações no inferno e isso era o que mais queríamos em nossa busca religiosa. Fazer com que quatro psicopatas cumprissem uma proeza dessas só mesmo pelo Diabo.

Eram dez da noite e estávamos todos dentro do Congar de Exu, nome dado ao lugar onde são realizadas as giras de incorporações e rituais. Lá dentro o clima era pesado e sombrio, as paredes eram apenas chapiscadas com cimento e o piso era de cimento queimado com cera vermelha, mais conhecido como vermelhão. As velas iluminavam as oferendas feitas a Lúcifer, uma cabeça de um bode todo negro, charutos e uísque importado. O brilho difuso e amarelado das velas vibrava em harmonia com o vermelho e o preto da quimbanda. As sombras deixavam o lugar ainda mais tenebroso. Adorávamos tudo aquilo. Nas paredes estavam pendurados couros de bodes sacrificados em oferendas antigas. Pontos de exus repletos de pentagramas e garfos infernais. Havia um altar com dezenas de imagens de exus e pombagiras. Na frente de cada imagem, uma vela em oração a Exu.

De minha parte, nunca cheguei a incorporar de fato, sentia apenas algumas vibrações que nunca mais senti igual. Quando fechava os olhos enquanto girava, eu via um fogo brilhante, tudo eram chamas, mas era só isso. Acho que os exus se recusavam a baixar em mim.

Lembro-me de uma vez o pai do terreiro ter dito que antes da nossa chegada, um Exu o alertou:

– Não quero saber de você andando com essas desgraças!

Formávamos uma fila, "corrente", cantávamos pontos terríveis da quimbanda e em seguida íamos ouvir as recomendações do Exu Sete Caveiras, incorporado no pai do terreiro. O "Seu Sete", como éramos acostumados a chamá-lo, era um Exu muito bravo, não gostava muito de "vir para cá" ou pisar de novo na terra. Era um Exu de ossário, por isso Sete Caveiras. Ele tinha um costume de nos xingar de desgraçados enquanto nos ralava.

Em uma voz rosnada e enfurecida nos dizia:

– Escutem bem, seus desgraçados, vocês saíram da desgraça do resguardo do Maioral, então hoje vocês devem ir direto para a desgraça da casa de vocês.

Ele dava uma tragada no charuto e tomava o seu marafo direto no bico da garrafa.

– Não vão parar na desgraça dos bares por aí. Ainda hoje estamos na desgraça da demanda.

Ele andava em nossa frente com mãos e pernas retorcidas, segurando o marafo com o charuto esfumaçando na boca. Como se estivesse checando a tropa, ele nos avaliava. Passou por mim e mirou meus olhos. Os olhos dele estavam com as órbitas viradas, só se via a bola branca. Aquilo era de arrepiar os ossos. Pegou em minhas mãos, me deu uma baforada com charuto, mas não me deu um gole do marafo. Disse-me em voz alta:

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