Recomeço

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Aqui estou eu, parada, sentindo toda minha força sair do corpo. Tento decidir pelo que parece ser a milésima vez se continuo ou apenas peço ao motorista para me levar de volta ao aeroporto. Durante um sábado chuvoso, o último lugar em que eu desejaria estar era dentro de um carro prestes a me encharcar para encontrar parentes de quem eu não lembrava. Forço a vista tentando vislumbrar além da chuva grossa, mas tudo que consigo ver é a silhueta da casa.

Uma casa da qual eu não tenho memórias.

Espero que algum fio de coragem surja em mim ao respirar fundo, "vai dar tudo certo" penso tentando convencer a mim mesma disso. Mesmo sabendo que não é verdade.

-Moça, sei que está chovendo, mas eu não tenho o dia todo. A senhora vai ficar aqui ou eu ligo o taxímetro novamente? -

O homenzarrão me puxa dos meus pensamentos e eu tomo consciência de que já devia estar a um bom tempo olhando pela janela.
Sinto meu rosto esquentar de vergonha. - Desculpe, vou ficar aqui. O Senhor pode abrir porta-malas? - O homem que estava dirigindo apenas acena com a cabeça e puxa uma pequena alavanca ao seu lado. Embora eu fique tentada a pedir sua ajuda com as malas, imagino que seria horrível passar o resto do dia trabalhando todo molhado.
Saio do carro sentindo gotas de chuva pesadas tocam meu rosto começando a me encharcar rapidamente, não era novidade, mas eu não lembrava a última vez que havia tomado banho de chuva e, apesar do frio, havia algo reconfortante naquilo.

Dou a volta no carro tomando cuidado para não cair, sem me importar com a roupa começando a grudar.
Abro o bagageiro e percebo que vou ter que dar no mínimo três voltas para conseguir carregar tudo, bufo com frustração "por que eu tinha que trazer tudo só de uma vez?!".

Me apresso para tiro tudo de dentro do carro e em questão de segundos as malas ficam tão molhadas quanto eu.
Fecho a mala e dou uma batidinha no capô para o motorista saber que já pode ir.
Tento desajeitadamente pegar as duas maiores malas sem rodinha numa cena simplesmente ridícula, "É isso que acontece quando se passa tanto tempo em uma cama de hospital"

olho na direção da casa e vejo alguém parado em frente a porta, mas não consigo ver suas feições tão espessa a chuva está. Aceno esperando que a pessoa venha me ajudar, mas ela simplesmente entra de volta na casa. "Quanta consideração" bufo em frustração e volto para minha missão impossível.

Penduro as malas de alça uma em cada braço e as menores tento equilibrar acima das com rodinhas, sinto vontade de jogar tudo no chão quando elas caem espirrando água das poças rasas

Quando finalmente me dou por vencida e penso seriamente em simplesmente dar várias voltas ouço alguém caminhando pela terra encharcada. Me viro tão rápido que meu cabelo curto, e agora escorrendo, acerta meu rosto na volta.

Tomo um susto com o garoto que agora já consigo visualizar nitidamente, tanto que me sinto estranhamente paralisada. A pessoa em questão tem o cabelo significativamente maior que o meu em um tom castanho que chegam até a cintura, seus olhos carregam familiaridade e ao mesmo tempo indiferença. Em um tempo distante eu provavelmente correria até ele e daria um abraço caloroso, pelo que eu fiquei sabendo éramos próximos, ao menos o suficiente para ter espalhadas pela minha antiga casa três fotos de nós dois sozinhos em paisagens diferentes, duas delas estavam no meu quarto.
Aquele era apenas um dos motivos pelo qual eu me mudei para aquela casa.

Me perco da realidade ao pensar em tudo que deixei pra trás e não me recordo, ainda. Tudo era confuso em minha mente, mas eu sabia de algumas coisas que eram reais.
A primeira: eu tinha uma família e ela me amava.
A segunda: Meus pais haviam morrido, minha irmã estava em coma entre a vida e a morte e eu havia sido a sortuda que escapou apenas sem grande parte da memória, mas o que era isso comparado ao que o restante da minha família havia sofrido?
A terceira: eu não tinha um lugar para voltar.

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⏰ Última atualização: Feb 14 ⏰

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