Vingança

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"- Ele tem algo que quase ninguém tem, Claire."

"- Seu irmão é especial, ele precisa de cuidados especiais."

"- Ele não precisa ficar entre nós."

Essas são algumas das respostas que recebia quando perguntava o motivo do meu irmão mais novo, Dave, ir embora tão cedo de casa. Por muito tempo ficou por isso mesmo, apenas falar que ele era mais especial que todo mundo e não podia ficar com a família era o suficiente para satisfazer minha curiosidade infantil. Até meus doze anos fiquei de certa forma aliviada em não ser como ele, mas a partir dos treze anos, o mundo pareceu virar de ponta cabeça e o que todos repudiavam ou temiam, se tornou pré-requisito para se tornar alguém importante.

Anos depois descobri o que ele tinha de especial, ele é um Fértil, alguém com alguma de suas células (ou seja lá o que for) mais desenvolvido que a maioria. Estes, se treinados, se tornam especialistas em sua Fertilidade e armas de guerra.

Eu sou um Sáfaro, como 75% da população. Diferente do meu irmão não tenho uma habilidade. A maior parte dos Férteis tem seu DNA alterado de alguma forma para conseguir produzir algo. Alguns conseguem criar água, outros controlam o vento, outros tem células super desenvolvidas que lhe dão superforça. Já eu, não tenho nada disso.

Sáfaros são pessoas normais, sem DNA diferente. O que, de certa forma, nos rende diversos benefícios. O direito de ir e vir não nos é tirado, podemos viver tranquilos sem ninguém nos perturbando sobre a vida super interessante de um fértil e não somos obrigados a servir ao exército como meu irmão foi com apenas 10 anos.

Depois de alguns anos, percebi que deveria me sentir agradecida, afinal nasci com um dom muito melhor que qualquer DNA modificado. O dom da inteligência.

Rapidamente aprendo conteúdos, aprofundo-me em matérias que ninguém gosta e tenho bons dedos para a criação. São dons, não apenas controlo uma chamazinha, ou faço nevar, consigo criar qualquer poder que os Férteis tiveram que nascer para ter.

Foi com isso em mente que cresci me admirando, sou tão poderosa quanto eles, posso muito bem derrubar qualquer um deles apenas com uma ideia de minha cabeça.

Hoje, com 17 anos, percebo a sociedade dando uma atenção especial aos férteis, colocando-os em um patamar acima de cientistas e pessoas extremamente importantes para o desenvolvimento da humanidade apenas porque conseguem fazer alguma coisa que, cientificamente, é impossível. Ter alguém na família com um desses dons é como ganhar na loteria e meus pais deixam bem claro que é isso que importa. E novamente a inveja começou a se apossar de meu corpo. Afinal, quem não ficaria extremamente irritado se não tivesse o reconhecimento de suas criações?

E hoje lá estava eu, sentada um pouco longe de casa pensando como entrar sem ser vista. Hoje é um dia especial para minha família, David voltou para casa para passar três dias conosco, sorte dos meus pais, azar o meu.

- O que ele tem que eu não tenho? - Murmurei jogando outra pedra no lago que ficava próximo a minha casa.

- Dave nasceu diferente, Claire. E mesmo sem querer tem que oferecer sua vida pela nação. - Cíntia falou, mesmo que não tivesse perguntado especificamente para ela. - Seu irmão não gosta disso, já pensou como deve ser lutar até a morte com outros Férteis? 

- Não me importa, Cíntia. Todos os dias quando ganho algum prêmio ou consigo criar algo novo meus pais sequer me escutam. Estão ocupados demais falando ao telefone com o filho favorito. - Respondi dura, odeio a demonstração de pena que todos têm para com ele.

Isso apenas quando ele está longe, quando retorna todos ficam fascinados com suas histórias e o elogiam sem parar.

Outra coisa que odeio, não só nas pessoas, mas em Dave também. Todos dizem como é duro a vida de um Fértil no exército, mas quando vejo todos reunidos na mesa de jantar não consigo ver toda essa dor e sofrimento que meu irmão deveria sentir.

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