Elisa Cunha
Nariz coçando, olhos ardendo, espirro uma, duas, três, incontáveis vezes e só então decido mais uma vez me automedicar com o antialérgico para aguentar as próximas horas no meu ambiente de trabalho, que tem uma mistura de cheiros que envolvem a gasolina, pneus queimados, óleo e mofo. É impressionante que os donos dos veículos parecem nunca perceber quando o carro precisa ser lavado e eu, alérgica ao extremo, sofro a cada vidro de janela baixado.
— Elisa, seu descanso acabou. – Margarete adentra o banheiro para funcionárias parecendo estar com mal humor e começa a mexer no celular.
— Eu sei, já estou indo. – Ela ignora a minha resposta, retira uma certa quantia de dinheiro do bolso do vestido de mamãe Noel que somos obrigadas a usar por causa das festividades de final de ano, levanta um pouco a saia e guarda o valor na meia que fica presa acima do joelho. Fico um pouco curiosa com sua atitude, mas como não é da minha conta o que acontece, volto para área externa e ao chegar no meu posto, logo uma Hilux Flex estaciona ao meu lado.
— Boa tarde. O senhor prefere álcool, gasolina comum ou aditivada? – O motorista passeia seu olhar por meu corpo durante alguns segundos que me deixam até envergonhada.
— Aditivada e pode encher o tanque. – De imediato executo meu trabalho prestando a atenção na bomba para verificar o valor correto e ao finalizar, volto a me aproximar do veículo.
— Só venho aqui por quero que você troque meu óleo. – Paraliso com o que eu ouço e pelo seu tom eu já imagino do que se trata.
Minha vontade? Com certeza é jogar tudo para o ar e me livrar de tal trabalho que a todo momento me submete a situações extremamente constrangedoras de assédio. Minha necessidade? Me diz que eu preciso aguentar, fingir que nada acontece por causa das minhas prioridades de sobrevivência e pensando nisso, volto meu olhar para o motorista que exibe uma enorme aliança e mesmo assim, descaradamente me passa uma cantada.
— O senhor vai pagar em espécie ou no cartão? – Ele me dá um sorriso malicioso enquanto observa meu corpo.
— Em espécie... – Pausa a sua fala, pede para que eu aguarde com gestos, em contrapartida continuo séria o observando enquanto pega o dinheiro na carteira e quando recebo o valor, noto duas notas de cem reais a mais, de imediato estendo minha mão para devolver, mas ele descaradamente segura. — É seu, e de onde saiu este valor tem muito mais, você só precisa realizar meus desejos. – Meu sangue ferve de tanta raiva ao mesmo tempo que me sinto péssima por atrair tal situação, ainda que eu saiba que a culpa não é minha.
— Não estou aqui para realizar seus desejos, apenas para abastecer seu carro, por favor, pegue o seu dinheiro de volta e solte a minha mão. – De forma firme tento me livrar de tal ocorrência, mas o descarado não me libera e ainda acaricia meus dedos.
— Vai dizer que não precisa? Eu aumento a oferta para quinhentos reais, você só precisa me acompanhar até o banheiro da parte de trás e me chupar. – O que ouço me deixa completamente abalada, enojada e no susto, acabo puxando minha mão de vez e os duzentos reais se rasgam ao meio. — OLHA o que você fez, PORRA! – Todos ao redor me olham, de vítima começo a ser notada como culpada e para completar minha situação, meu chefe se aproxima.
— Elisa, vá para a minha sala. – Tento abrir a boca para explicar. — Agora. – Caminho atordoada, com as mãos trêmulas, adentro a sala do meu chefe e sento-me na cadeira em frente a sua mesa por não conseguir me manter de pé, pois acabo sentindo um misto de sentimentos.
Medo de perder meu trabalho que tanto preciso, raiva pela situação insuportável que acabo de passar, angústia por saber que sou responsável por uma criança de cinco anos e ódio de mim mesma por não conseguir lidar com clientes desrespeitosos.
Para piorar a ocasião, meu chefe demora a aparecer. Minha garganta fica seca, resolvo beber um pouco de água do bebedouro que está próximo a saída da sala e quando me levanto, o Sr. André adentra o ambiente feito um furacão.
— Eu posso explicar. – Ele passa por mim todo sério.
— Vou descontar no seu salário a quantia de duzentos reais, e como sou bonzinho, de duas vezes. – O susto que eu tomo é tanto que volto a me sentar.
— O cliente estava me fazendo uma proposta indecente, me oferecendo dinheiro para satisfazer seus desejos. – André gargalha como se eu estivesse falando uma piada.
— Ora, se você conversar com Paula, Laura ou Margarete, vai perceber que elas sabem aproveitar bem as oportunidades que surgem. – Fico um pouco pensativa e me lembro da minha colega de trabalho no banheiro guardando dinheiro e ele prossegue: — Está na hora de você entender melhor o funcionamento e o sucesso desse posto, você não é nenhuma menininha, ou ainda é pura?
— Como assim? – É a pergunta que vem em minha boca, apesar de na minha cabeça a resposta gritar... Ele esta ciente de tudo o que acontece.
— O banheiro da parte de trás do posto é mantido sempre em ordem para satisfação dos clientes, você já tem dois meses aqui, é carne nova, muito desejada e já pode me ajudar a manter a fama de bom atendimento deste lugar.
— Eu não vou me prostituir. – Ele permanece bastante sereno apesar do seu olhar de desdém.
— Tudo bem, a sua beleza já é um cartão de boas-vindas, você não é obrigada a nada, mas já sabe como ganhar mais de cinco mil reais por mês aqui, caso contrário permanecerá com o salário ou se estiver se sentindo ofendida, saiba que existe uma fila enorme de garotas que querem ficar no seu lugar. – Ele levanta parecendo nervoso. — Não tente nos denunciar, você não tem provas e seja inteligente, pelo o que sei da sua situação financeira, um pau na boca lhe faria muito bem.
Meus olhos ficam marejados, pensando em minha quase irmã Lucy de apenas cinco anos que só tem a mim, engulo o choro, a vontade de mandar tudo para os ares e saio da sala do meu patrão pedindo a Deus força para aguentar tal humilhação e que um novo emprego surja em minha vida o mais rápido possível, eu só preciso ter dinheiro para pagar as contas e as necessidades básicas.
....
Continua ❤
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