Dois

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Deitei-me no sofá a olhar para a televisão desligada enquanto revivia o meu primeiro dia de aulas mentalmente. Acordei do meu transe com o som da porta abrir-se e a minha mãe a entrar cheia de sacos nas mãos. Levantei-me para ajudá-la a guardar as compras.

-Então, como correu o teu dia? - perguntou ela enquanto olhava para a tabela nutricional de uma das suas coisas de dieta que ninguém neste mundo conseguia comer.

-Normal, eu acho. Já fiz alguns amigos na turma. - Mentira. A única coisa que tinha feito para além de estar nas aulas era ler e ouvir musica.

- Espero que não te importes, mas como não sabia a que horas vinhas fiz o jantar e comi. Guardei o resto no frigorífico para ti. E como já é tarde é melhor ir dormir, até amanhã.

Dei-lhe um beijo e fui para o quarto. Tirei a roupa que tinha no corpo, vesti o meu velho pijama e fui dormir.

- Amy acorda! Rápido se não vais a pé! - Acordei com a minha mãe aos berros como um dia normal de aulas. Gritei de volta para ela saber que já me encontrava acordada e entrei no chuveiro.

Vesti umas calças de ganga justas e pretas juntamente com t-shirt dos Alesana e as minhas all star sujas e rotas do costume. Quando acabei o pequeno almoço fui para a casa de banho onde fiquei a olhar para o meu reflexo. Tinha cabelo castanho escuro ondulado, olhos azuis e pele muito clara com algumas sardas.

Escovei os dentes, penteei-me e sequei o cabelo a correr porque estava definitivamente atrasada. Apressei-me a descer as escadas e a entrar no carro onde a minha mãe já estava com cara de quem tinha acordado com os pés fora da cama (por minha culpa, confesso).

A minha primeira aula foi desenho. Onde me me sentei mesmo na ponta da sala. No fim, veio um grupo de rapazes e raparigas falar comigo.

- Hey! Queríamos saber se querias almoçar connosco hoje? - Perguntou-me a rapariga ruiva com olhos verdes.

- Sim, pode ser...eu acho...- respondi bastante embaraçada.

-Óptimo! Estávamos mesmo a precisar de alguém no grupo de quem pudéssemos copiar nos testes. Quando entra alguém sobre-dotado na turma há que aproveitar! - O rapaz sorriu e piscou-me o olho - Sou o Kevin, a ruivinha é a Emma, estes dois otários são o Daniel e o Alex e esta é a Rose.

O Daniel e o Alex eram gémeos e até bastante atraentes. O primeiro era mais musculoso que o outro. Mas fora isso eram indiferenciaveis. Cabelo castanho claro, olhos cor de avelã e talvez um metro e setenta e poucos. O som alto da campainha interrompeu o meu raciocínio e todos voltaram para os seus lugares com várias queixas pelo intervalo tão curto.

Na hora do almoço fui ter com o grupo que me tinha abordado mais cedo.

-E o filho prodígio retorna! - Disse a Rose com um sorriso na cara. - É mesma coisa de sempre ou há alguma mudança nos pedidos? - Desta vez para o grupo que respondeu com um abanar de cabeças. - Não? Fantástico. E tu miúda nova?

Pedi uma sandes de atum que era a especialidade do bar da escola e foi a primeira coisa que me veio à cabeça para ser sincera. Queria dar uma resposta rápida para que as minha bochechas não ficassem ainda mais vermelhas do que já estavam.

- É sempre ela ir buscar a comida? - Perguntei tentando fazer assunto mas estava tão nervosa que quando o fiz parecia quase murmúrios. Felizmente o Kevin ouviu. Não queria nada repetir.

- Vamos rodando. Amanhã sou eu, depois é a Emma, Daniel e por aí continua.

Eram todos bastante simpáticos. Pelo que percebi do resto da conversa durante o almoço Rose tinha reprovado no décimo ano por faltas, mesmo sendo a melhor aluna da turma, a família do Daniel e o Alex era milionária - parece que tinha saído a lotaria à família ou qualquer coisa assim - , a Emma queria ser estilista e ter a sua própria marca de roupa e o Kevin era um daqueles rapazes populares que conhecem toda a gente e que geralmente não se importam com os outros, o que não era o caso dele porque ele era na verdade muito atencioso.

Depois das aulas da tarde dirigi-me para a entrada onde encontrei o Kevin que se ofereceu para me acompanhar até casa. Embora preferia ir sozinha, não queria ser antipática e apenas agradeci.

- Então, fala-me de ti. - disse ele.

- Não há muito que falar. Acabei de mudar-me para cá porque a minha mãe assim decidiu e sou adoptada. A minha mãe é na verdade minha tia. E tu?

- Eu sou filho legítimo. - Olhou para mim e sorriu - Desculpa, piada tosca. Eu sou eu. Não há muito mais de mim para além do facto de ser gay. - Como ide eu de explicar? Ele era sem dúvida o rapaz mais atraente que já tinha visto e fez com que ficasse um pouco embasbacada a olhar para ele. - Não precisas de ficar tão surpreendida. - Riu-se.

Reparei que já estava à porta de casa e despedi-me dele com um beijo na cara e entrei. Tinha um bilhete na entrada com o seguinte: "Desculpa querida, não sei a que horas volto por isso tens comida no microondas e não te esqueças de por comida à Liz. Beijo!" Arrastei-me até à cozinha onde já se encontrava a gata branca à espera de comer. Deitei-lhe a ração na taça que foi logo atacada e tratei de começar a fazer o jantar.

Quando acabei de arrumar a cozinha sentei-me na cama do meu quarto com o computador ao colo. Fiquei durante umas horas na Internet a falar com o Jason que era o meu melhor amigo e que infelizmente tinha ficado na minha cidade antiga. Quando dei por mim a bocejar e decidi dormir. Vesti o mesmo pijama da noite anterior e deitei-me.

Dei por mim a afogar-me em águas negras sem fundo e o céu escuro parecia engolir tudo à sua volta. Não havia nada à minha volta para além de escuridão. "O quê que estava acontecer?" Algo continuava a puxar-me para baixo e o meu corpo exausto de lutar de me manter na superfície deixou-se ir ao fundo. Comecei a ver algo dentro da água. Era ela. Era aquela rapariga do primeiro dia de aulas no portão. Eram o mesmo olhar hipnotizante, mas desta vez com um vestido negro comprido na sua pele pálida. Parecia aproximar-se de mim em flashes até que a face dela encontrava-se a três centímetros da minha, olhava-me fixamente, o que fez com que o meu coração parecesse demasiado grande para o espaço que tinha. Agarrou no meu braço fino, espetando as unhas compridas contra a minha pele e depois carne. Entrei ainda mais em pânico e gritei mas não saiu qualquer som da minha boca. Depois disso apenas me lembro de perder os sentidos.

Acordei ofegante e a suar pelo corpo inteiro, fazendo com que o pijama estivesse colado à minha pele. Deparei-me com a cama também completamente encharcada, o que me fez decidir levantar-me para mudar de lençóis e vestir outra coisa. Por alguma razão estava cansada e doía-me os músculos. Quando voltei a deitar-me não podia acreditar. "Como...? Co-co-mo é isto possível? Não...nã-a-a-o foi um sonho?'' pensei eu quando olhei para o braço marcado com unhas e a sangrar.

NightmareOnde histórias criam vida. Descubra agora