Cecilia encarava seu reflexo no espelho. Estava de batom vermelho, vestido bonito e chinelo de dedo. Tudo isso para ler a crítica a sua primeira exposição junto com Diana, que fez questão de celebrar o momento exigindo que sua amiga se arrumasse. Diana talvez reclamasse dos chinelos, mas elas iriam ficar em casa sentadas na frente de um laptop apenas para ler textos em alguns sites.Ok, não eram só textos. Eram o reflexo do trabalho de Cecilia para os outros. Seu lado racional insistia na calmaria, afinal os críticos de arte não eram os donos da verdade, porém seu lado emocional estava à beira de um colapso nervoso.
A bela jovem passou sua mão por seus igualmente belos lábios, aquela cor de batom lhe lembrava uma pessoa que queria esquecer - que já deveria ter esquecido. Ele costumava dizer que o vermelho caía
como o mais belo véu sobre sua boca. Ah, quantas coisas ele costumava dizer.Cecilia se repreendeu, não deveria deixar uma simples cor de batom lhe lembrar daquele ser que ela jurou esquecer. Era um dia importante, e nada atrapalharia isso.
Diana chegou um tempo depois, trazendo consigo uma garrafa de vinho e muitos doces.
— No caso de ser um sucesso, o que com certeza é, temos o vinho. — Ela levantou a garrafa com as mãos pequenas. — No caso de não ser um sucesso, o que com certeza não vai acontecer, temos o vinho e milhares de doces.
— Hum, nunca encarei o vinho como um multifunções. — Cecilia riu. — Muito interessante, se for bom, nós comemoramos com vinho, se for ruim, nós nos embebedamos com vinho...
Diana piscou um de seus olhos castanhos para confirmar a hipótese da amiga e deixou as compras na bancada. Dirigiu-se ao laptop que estava na mesinha de centro e o abriu.
— Deixa que eu faço isso — Cecilia puxou o computador para si e se sentou no chão junto da amiga. — Pronto, abri os sites dos críticos que estavam na exposição, acredito que a matéria saia oito horas.
— E são que horas agora? — Diana perguntou curiosa.
— Acabou de dar oito. — Cecilia olhou para sua amiga que a encarava impaciente. — Vou atualizar as páginas.
Ela clicou no botão, uma depois outra vez. Procurou a coluna de artes do primeiro site. Seus olhos percorreram as palavras gentis da mulher que se chamava Denise De Souza, que expressava sua admiração pelas pinceladas de Jo e o sentimento puro que se extraía delas.
— ...E tem tudo para ser uma artista promissora — Diana concluiu ao seu lado, lendo a última linha.
As duas se abraçaram em uma explosão de gritinhos de felicidade. Aquilo era simplesmente incrível, a mulher havia descrito a exposição como um caminho para o sucesso.
— Meu. Deus. É a Denise de Souza, uma das críticas de arte mais importantes da região, falando literalmente que eu sou uma artista em ascensão. — Talvez Cecilia realmente precisasse daquela taça de vinho agora, para poder acreditar no que estava acontecendo.
— Isso é maravilhoso, Ceci. Quem é o próximo?
Cecilia hesitou um pouco. O outro crítico é simplesmente O mais importante da região.
— Vicente de Albuquerque. — Ela engoliu em seco. — Eu nem ao menos sei se ele foi mesmo à exposição. Eu mandei um e-mail praticamente implorando para que ele fosse e desse uma opinião sobre o meu trabalho, mas como eu não sei como ele é fisicamente, não tenho a mínima ideia se ele estava lá ou não.
— Bom, vamos descobrir. — Diana assumiu o mouse e clicou no segundo site, descendo até encontrar a área em que se localizam as críticas, e começou a ler assim que achou. — As obras da "artista" Jo, se assim pode ser chamada, são um completo fiasco — Diana, que começou a ler animada, agora carregava descrença na voz. — Não expressam emoção e muito menos... Não expressam emoção? — Ela se interrompeu e riu desacreditada.
Cecilia acompanhava a leitura e as palavras afiadas a pegaram desprevenida, depois da ótima avaliação que teve da outra crítica, ela certamente estava com as expectativas altas, talvez altas demais. Vicente escrevia com tamanha rispidez que cada frase planejada e elaborada a atingia como um tiro no peito.
— Ei, Ceci, deve ser só um velho rabugento e mal-amado. — Diana afastou o cabelo da amiga para poder olhar em seus olhos. — Suas pinturas são lindas, lembra do que a tal de Denise falou? Puro sentimento. Esse cara deve ter tido um dia ruim, sabe?
Cecilia não respondeu, mas sabia que não era isso, aquelas pessoas sabiam do que falavam, e se o crítico mais importante falou que suas pinturas eram horríveis, talvez elas fossem mesmo. Contudo, Diana não precisava saber disso, ela não precisava saber do quanto aquilo havia sido efetivo na cabeça de Cecilia.
— Cecilia? — A amiga desviou o rosto para o lado e apertou os olhos para a tela. — Bom, vamos ver a cara desse velho, certeza que está caindo aos pedaços.
Diana desceu a página mais um pouco para ver a foto de quem havia escrito a coluna, e a imagem que encontrou a fez soltar um barulho de surpresa, chamando a atenção de Cecilia, que teve a mesma reação.
Não, não, não. Aquilo não podia estar acontecendo. Vicente de Albuquerque, o crítico respeitado no meio artístico, o homem que detonou a arte de Cecilia, era simplesmente o mesmo homem que ela havia expulsado da exposição quando ele pessoalmente a humilhou — e para piorar, ele não era nem um pouco velho.
— Diana, eu acho melhor você ir embora. Já está tarde. — Cecilia se levantou.
— Cecilia, não. — Ela se levantou também. — Por favor, não se feche para mim também. Eu sou sua amiga, lembra? — Diana envolveu a mão da amiga com as suas.
Cecilia as afastou com cautela, e sua amiga entendeu o recado.
— Qualquer coisa me liga, tá? — Diana falou antes de bater a porta do pequeno apartamento e ir embora.
Mais uma vez, Cecilia estava sozinha. Não por culpa dos outros, mas sim porque queria, porque preferia assim. Lidar sozinha com suas dores era mais fácil, não ter que ouvir as críticas e os julgamentos dos outros era mais simples. Estava entranhado nela afastar as pessoas.
Ela achou que estivesse preparada para ler aquilo, mas não estava. Cecilia era fraca, frágil e auto piedosa demais, ela não precisava disso agora, ela precisava da firmeza de Jo, da artista centrada e focada que incorporava no ambiente profissional. Era isso que seria dali pra frente: Jo, forte e determinada, sem as fraquezas da quebrada Cecilia, a Cecilia que matou os próprios pais.
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A mais bela obra de arte
عاطفيةCecilia, dotada de talento e beleza excepcionais, é uma pintora iniciante no meio profissional, onde se apresenta com seu pseudônimo Jo, a autora de belos quadros e dona de uma elegância extrema. Cecilia se esconde atrás do alterego impenetrável par...