"...E nas tardes frias de inverno, o teu amor aquecia meu coração quando você entrava pela porta..."
Ouvi o sino ressoar assim que cruzei a porta, avisando minha chegada no ambiente de temperatura aconchegante e totalmente diferente do clima frio e gélido de Nova York naquele dia. Rodei meus olhos pelo lugar quase vazio e ergui meu pulso, encarando os ponteiros que marcavam que ainda eram cinco da tarde e dei de ombros como se o horário fosse suficiente para justificar o pouco movimento, já que em todos os dias que eu estava lá no mesmo horário o lugar estava da mesma forma. Subi os quatro degraus que elevavam o piso da cafeteria e me aproximei do aglomerado de mesas, sentando-me na que ficava perto da parede de vidro que dava vista para a movimentada e iluminada avenida, observando a barista, Jesse, se aproximar sorridente com uma xícara em mãos.
- O primeiro é por conta da casa – Uma xícara de café foi colocada na mesa onde eu estava e eu sorri em direção a garota, segurando a xícara pela alça e tomando um gole do líquido quente que desceu suavemente pelo meu interior, aquecendo-me no geral – Está bom de açúcar?
- Está ótimo, valeu mesmo. Está muito frio lá fora, argh! – Puxei a alça de minha bolsa e a tirei de meu ombro, a colocando no banco ao meu lado e deslizei a mão pelo cachecol que estava em meu pescoço, ajeitando seu comprimento para que suas pontas ficassem igualadas.
- Realmente. Daqui a pouco o Starbucks irá ferver, mas enquanto isso não acontece me conta! No que está trabalhando? – A garota puxou a cadeira e se sentou de frente para mim, apoiando os braços na mesa e o rosto entre suas mãos, os olhos cheios de expectativas me encarando a espera de uma resposta extraordinária sobre meus novos projetos literários seriam desapontados com a resposta que viria a seguir.
- É apenas um projeto composto por meus famosos textos melancólicos, eu ainda não tive nenhuma grande ideia – Um suspiro pesado escapou por entre meus lábios e para desfocar minha atenção disso, abri e puxei da pequena maleta um caderno surrado que tinha em sua capa uma caneta presa e o deixei na mesa, logo em seguida puxando o notebook que piscava uma luz em sua lateral gritando que eu havia o esquecido ligado da última vez e com trabalhos pendentes em aberto.
- Você sabe que venderia bem mais amor do que melancolia, não é Kai? – A garota se levantou ao ouvir o sino e deixou a pergunta rondando sem resposta enquanto saía para atender o cliente que havia chegado – O dever chama, o seu também. Boa sorte!
Eu sou o típico clichê ambulante de Nova York: Poeta que frequenta o Starbucks, que usa óculos de armação grossa e anda com um cachecol apoiado no pescoço apenas para fazer charme. Não é apenas por ser clichê, mas esse lugar está sempre cheio de gente e ver pessoas me inspira a escrever, imaginar as histórias presas no seu olhar e nas suas expressões corporais como se isso dissesse tudo sobre elas. Eu me sinto meio "Stalker" escrevendo sobre as pessoas sem que elas saibam ou as observando de longe, mas sem isso, eu nada escreveria. O eu-lírico que habita em mim não gosta de passear pelo meu interior para buscar algo bonito (ou não) para escrever, acho que ele também teme o que pode encontrar aqui dentro.
Puxei a caneta da capa do caderno e abri numa página qualquer em branco, começando a deslizar a mesma pelo papel vendo a tinta formar palavras que eu nem ao menos sabia de onde vinha, mas que apenas via surgirem. Como se algo tentasse fugir da minha mente e sem que eu pudesse conter, apenas fugisse para o papel marcando as lembranças que tive no decorrer do dia, do caminho ou algo assim.
Minutos se passaram e páginas e mais páginas foram preenchidas por uma letra corrida nada proposital, apenas para corresponder a velocidade que as palavras surgiam em minha mente e duas xícaras de café já haviam sido tomadas quando o barulho do sino na porta depois de um longo silêncio atraiu minha atenção pela primeira vez em muito tempo. Um grupo de amigos atravessava a porta e meus olhos se fixaram no pequeno ser que gargalhava em alto e bom som não se importando nem um pouco com a opinião alheia atraindo minha atenção diretamente para seu rosto, fazendo seu olhar por ironia do destino se cruzar com o meu por uma fração de segundos e foi como se um raio tivesse me atingido, antes da pessoa ter sua atenção roubada e desviada para o balcão, onde seus amigos deixavam-a responsável por todos os pedidos, sentando-se na mesa ao lado da minha.
Desastradamente, o pequeno ser carregava os vários copos de café e coisas quentes em direção a mesa enquanto tentava ajeitar sua touca que insistia em cair e cobrir seus olhos e bagunçar sua franja quando de repente subindo os poucos degraus, tropeçando em meu pé esticado e fazendo o líquido do copo que estava em seu braço vir em direção a mesa que eu estava, líquido que eu logo percebi ser café pela temperatura e coloração, manchando minha blusa e encharcando os papéis que estavam na mesa. Os outros copos foram diretamente ao chão e eu me levantei instantaneamente estendendo a mão para tentar ajudar com que este se levantasse sem se escorregar enquanto seus amigos gargalhavam alto na mesa ao lado.
- Céus, me desculpe. Eu deveria ter tirado o pé da frente ou algo assim – Disse com a mão estendida puxando o corpo leve para cima com facilidade.
- Tudo bem, eu sou um desastre e isso acontece com frequência – Seu sorriso se abriu para mim e eu não pude evitar de sorrir junto, seria um crime se eu não o fizesse – Mas olha o que eu fiz com a sua blusa, meu Deus!
- Ah, isso? Não é nada. Eu faço isso todos os dias pela manhã.
- Deus, eu causei um desastre, olha os seus papéis, olha sua blusa, ah! – Suas mãos arrumavam sua franja ao estilo Justin Bieber de forma nervosa, fazendo-me cachoalhar as mãos em sua direção como se isso pudesse afastar os maus pensamentos de sua cabeça.
- Está tudo bem, de verdade. Não se preocupe quanto os papéis, tenho cópia de todos eles e minha blusa, como eu disse, acontece todos os dias de manhã – Meu riso nervoso escapou de minha garganta por entre meus lábios, enquanto eu puxava a blusa com o líquido já morno para desgrudar de mim. Suspirei profundamente passando a mão pelos cachos já longos, meu nervosismo aparente provavelmente refletindo em minhas bochechas que já devem ter ganhado uma coloração avermelhada pelo pequeno desastre que eu causei – Eu vou pagar o prejuízo. Afinal, meu pé estava no caminho...
- Ah, não precisa se preocupar com isso e... – Interrompi sua fala no meio do caminho e prossegui com minha decisão firme.
- Eu vou pagar e quanto a isso não há discussão. Você pode sentar aqui e esperar... Jesse! – Exclamei e estendi a mão chamando a garota, enquanto o outro funcionário que havia chegado a pouco já cuidava de limpar o chão de onde estávamos. Vi a garota se aproximar e rapidamente pedi para que refizesse os últimos pedidos, pois havia acontecido um pequeno acidente por minha causa e ela prontamente atendeu, mesmo que houvessem contestamentos do que pequeno ser sentado na cadeira ao meu lado. Me sentei novamente e suspirei profundamente.
- Me desculpe por isso, eu não costumo atrapalhar ninguém...
- Está tudo bem, eu que sou um desastre. Vivo tropeçando, esbarrando em coisas e pessoas por aí.
- - É que eu estava com o pé no caminho e você estava com várias coisas nas mãos e sua franja também não colaborava e... – Percebi que havia começado a falar demais e fui parando aos poucos
- Parece que alguém andava reparando em mim, não é mesmo?
Senti minhas bochechas esquentarem rapidamente e para disfarçar, decidi mudar de assunto rapidamente fingindo não ter ouvido o comentário anterior, o que arrancou uma risada mais gostosa que o canto dos pássaros pela manhã.
- Já que fomos unidos por essa estranha coincidência estranha do destino, acho justo eu saber seu nome e você o meu, hm? Prazer, Kai.
- Prazer é todo meu, sou Alex.