A arte do autodiálogo

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Loucura é não dialogar consigo, é silenciar diante dos próprios fantasmas mentais.

O diálogo interpessoal é a comunicação que mantemos com as pessoas. Já o autodiálogo  é a comunicação que deveríamos manter conosco , com nossos conflitos, angústias, neuroses. Sem diálogo, nossas relações com os outros tornam-se superficiais, doentes, débeis, sem correção de rotas. Por sua vez, sem autodiálogo, nossa relação com nosso ser fica fútil, desinteligente, autopunitiva.

Mas qual sua atitude quando percebe alguém falando sozinho? "Eis um louco!", julgam os normais. Mas o que é ser normal? E quem de fato é normal?

Os que se julgam saudáveis não entendem que, quando um ser humano em surto psicótico fala sozinho,  ele o faz como recurso para abrandar seus fantasmas mentais, ainda que criados em seu imaginário. Portanto, falar sozinho, ao contrário do que o senso comum pensa, incluindo alguns profissionais de saúde mental, reflete a complexidade do psiquismo de um paciente psicótico, revela sua necessidade vital de socialização, ainda que seja personagens irreais.

Alguns pacientes psiquiátricos discutem, em seus delírios e alucinações, com personalidades imaginárias que querem controlá-los ou persegui-los. Com qual objetivo? Para se proteger deles, minimizar seu poderio, mitigar sua ferocidade. Portanto, defendo que o autodiálogo tão comum nos surtos psicóticos, que é objeto de escárnio por parte dos assim chamados "normais",  evidencia o que esses pacientes têm de melhor.

Loucura é os que se acham normais não conversarem com seus fantasmas mentais. E quem disse que eles não os têm? Você e eu não somos assaltados por golpes de ansiedade , irritabilidade, intolerância, de vem em quando? Você não é encarcerado, ainda que infrequentemente, por alguns tipos de fobia ou ciúme, inveja, compulsão, autopunição, impulsividade, timidez, necessidade neurótica de se preocupar com os outros ou de mudar os outros? Não sofremos por antecipação ou ruminamos mágoas e frustrações?

Como digo no livro Gestão da emoção, sem gerir a emoção, os ricos se tornam miseráveis, casais destroem seus romances, profissionais sabotam sua eficiência. Reitero: Loucura é falar excessivamente sobre o mundo em que estamos, como economia, política, esporte, redes sociais, mas calar-se sobre o mundo que somos. Loucura é não fazer uma mesa-redonda com os fantasmas mentais para impugnar e confrontar o cárcere que eles nos impõem.

Loucura é sorrir por fora e chorar por dentro, é colocar máscaras sociais, trancafiar nossos traumas nos porões da mente e negar que somos seres humanos marcadamente imperfeitos, com a necessidade vital de nos conhecer, de nos abraçar, de nos dar uma nova chance e de admitir que precisamos, ainda que raramente, de um ombros pra nos apoiar.

Os grandes objetivos desta obra

Eis o objetivo deste livro: espero que você faça parte do time dos "anormais", daqueles que aprendem a arte do autodiálogo, que não têm medo de falar sozinhos, que retiram a maquiagem de deuses, que mapeiam seus fantasmas emocionais, que superam sua necessidade neurótica de estar sempre certos, que assumem como seres humanos imperfeitos, como simples caminhantes que andam no traçado do tempo em busca de si mesmos, como seres inacabados, que estão em contínuo estado de construção. Nunca se esqueça de que os que se posicionam com deuses são os mais fortes candidatos a se tornar psiquiátricos. Adoecem a si e aos outros.

Todos deveríamos ser eternos aprendizes e, como tais, fazer uma memorável descoberta que protege a emoção e promove a saúde psíquica: o autodiálogo ou diálogo intrapsíquico.

Quem conversa com o mundo, mas não conversa consigo, não precisar ter desafetos, pois os cria, tornam-se inimigos de si mesmo. Quem resolve problemas profissionais, mas não resolve seus conflitos emocionais, torna-se um espectador passivo no teatro mental, e não um diretor do script  de sua peça.

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