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Irene não podia ter se arrependido mais da sua decisão de ter corrido todo o caminho de volta para casa no dia anterior. Levou uma bronca feia de sua chefe por chegar atrasada ao trabalho por causa daquilo e ainda acabou por pedir uma dispensa em função das dores no corpo.

O pior de tudo foi que exagerou demais na dose dos analgésicos e dormiu mais do que devia, então passou a noite inteira fazendo as lições e revisando a matéria da universidade, tornando sua rotina uma bagunça sem fim.

Durante a aula ela estava completamente derrotada. Não tirava notas da explicação, não respondia as perguntas de Seulgi e também parecia prestes a cair no sono a cada vez que piscava os olhos.

Quando a aula acabou, ao invés de ir direto para casa, ela correu até o banheiro, retocou sua maquiagem para parecer mais disposta e depois bebeu algumas garrafinhas pequenas de energético para manter o ritmo pelo resto do dia.

— Acho que eu não vou precisar pegar meu lanche hoje, já estou cheia dessas coisinhas. Deve ser o suficiente por enquanto — sussurrou para si, enquanto jogava todas as embalagens no lixo. Depois disso, correu direto para casa, afinal, não queria se atrasar de novo.

No caminhou notou que, naquela mesmo loja onde tinha comprado sua coruja de cerâmica no dia anterior, tinha uma placa com os dizeres "precisa-se de funcionário". Irene tentou ignorar a plaquinha, mas não conseguiu conter seus próprios pensamentos, imaginando que talvez a jovem Yeri tivesse se demitido de ontem para hoje. Ou talvez não. Poderia ser apenas os donos da loja precisando de ajuda com a limpeza no fim do expediente. Contentou-se com a certeza de que nunca perguntaria e que, portanto, nunca saberia.

Seguiu sua rotina estritamente naquele dia. Correu o máximo que pôde até dar o seu horário e voltou para casa de ônibus. Arrumou-se, pegou suas coisas e não tirou os olhos do relógio, até que finalmente chegou ao seu trabalho. Pelo menos era dessa forma que ela gostava de se referir ao seu estágio de moda.

Ela não podia mentir, adorava tudo o que aprendia e desde o começo sempre foi uma das estagiarias mais entusiasmadas com a oportunidade. Mas assim como toda moeda tem suas duas faces, tudo que parecia alegrar a morena também a derrubava de alguma forma.

— Oi, Irene. — A garota de cabelos negros a abraçou, sentando-se ao seu lado.

Irene era o apelido que Yoona decidiu dar a Joohyun quando a mesma entrou no estágio, sem nunca ter explicado o motivo. Depois disso, o apelido foi se espalhando como um vírus mortal e várias pessoas a conheciam por aquele nome.

— Oi, Yoona — cumprimentou a mais velha, com desanimo. A outra notou o tom de Irene, dando um beijinho em sua bochecha e abraçando-a com mais força.

Quase ninguém tratava ela assim; na verdade, Yoona era a única que se comportava de tal forma perto dela; desde o primeiro dia de estágio, quando se conheceram. Enquanto todos os outros pareciam se sentir intimidados com Joohyun e seu jeito mais quieto e retraído, a mais velha simplesmente se dirigia a ela como uma velha amiga, quebrando todas as barreiras que Irene tinha criado em volta de si mesma por não saber socializar direito com as pessoas.

Ela a tratava de um jeito que nem suas amigas mais próximas faziam e, por mais que fosse um pouco desconfortável, seria mentira se a mesma dissesse que não gostava da companhia da mais velha.

— Eu e meu namorado vamos sair para comer alguma coisa naquele restaurante perto daqui depois do expediente. Você quer vir também, querida? Parece abatida — disse ela, apertando de leve a bochecha da mais nova e deixando uma marca rosada em sua pele.

— Hoje não vai dar — respondeu, forçando um sorriso. — Quem sabe outra hora? Eu tenho muita coisa para fazer em casa, não tenho tempo para nada.

— Você quem sabe, docinho. Mas o convite está de pé, caso mude de ideia. Se precisar de mim para qualquer coisa, só chamar, mas isso você já sabe, né? Vou estar ali fazendo meu trabalho.

Ela amava Yoona e ao mesmo tempo a odiava. No fundo, ela sabia que todos aqueles sentimentos eram alimentados por pura inveja, mas era impossível evitar, já que a mais velha era simplesmente tudo o que Joohyun sempre sonhou ser. Tinha uma vida realmente perfeita. O emprego perfeito, o relacionamento perfeito e a aparência perfeita. Ela era perfeita.

— Melhor eu me focar no que eu deveria estar fazendo — sussurrou para si mesma, analisando as paletas de cores que tinham entregado para ela, mas ainda não conseguia evitar seguir todos os passos da mais velha pelo canto do olho. Desejou que algo acontecesse e ela fosse dispensada mais cedo, mas reprimiu esse pensamento, envergonhada.

Quando finalmente foi liberada, ela saiu de lá com um peso no peito e o estomago embrulhado. Foi direto para o ponto de ônibus, assim não precisaria se despedir de ninguém. Ela não estava se sentindo no clima para socializar naquele momento. Ela tinha certeza que ninguém notaria sua ausência, mas mesmo que quisesse negar, esperava que tivessem notado. E, desse jeito, com pensamentos conflitantes e a cabeça bagunçada, que ela subiu no ônibus, imaginando como seria se tivesse aceitado o convite da sua amiga para comer.

Chegando em casa, andou direto para a geladeira e pegou um pote cheio de salada. Ela sempre deixava um desses preparado para comer após voltar do expediente, todo dia uma salada diferente. Pegou também os talheres e colocou tudo ao seu lado, no braço do sofá. Pegou seu diário, que ficava escondido embaixo do sofá e começou a escrever sobre seu dia enquanto comia.

Quando terminou, foi até o banheiro e ficou encarando o vazio sobre a pia, onde costumava ter um espelho. Ela apertou as unhas contra as palmas da mão, até que sua dúvida sobre como estaria naquele momento, caso se olhasse no espelho, fosse embora.

Foi até a sala e sentou no chão, cogitando se realmente era uma boa ideia fazer aquilo, mas apenas respirou fundo e começou a fazer agachamentos. Não parou até suas pernas não conseguirem mais aguentar o peso do próprio corpo e ficou deitada no chão, encarando o teto e aproveitando aquele momento em que nada mais preenchia sua mente além da dor.

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