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Mateus, sempre que podia, se exercitava no parque perto do rio. Segundo recomendações do seu médico, atividade física e reeducação alimentar eram necessárias, pois estava com a glicose e o colesterol altos. O jovem, estava seguindo à risca as orientações e os primeiros resultados já estavam em evidência. Mateus queria ter saúde para poder estudar e ajudar a mãe que com muito esforço o criava sozinha, após o pai ser vítima de um infarto dois anos antes.

Ao passar pelo parque naquela tarde de sábado, encontrou Luana.

Ela caminhava perdida em pensamentos. As mangas da camisa e a barra da calça dobradas e o tênis nas mãos. Os cabelos escuros e sedosos voavam em todas as direções e ela não se preocupava com isso.

Aquela área era afastada e os transeuntes estavam a metros de distância distraídos, completamente alheios à garota solitária no rio.

Os olhos de Luana carregavam um peso enorme enquanto ela caminhava em direção ao rio. A água já batia nos joelhos dela e Mateus se sobressaltou.

Luana não estava com aspecto de quem daria um mergulho. Não vestida daquele jeito. Não com aquele olhar vazio no rosto.

O jovem correu o mais rápido que pôde, agradecendo por estar mais rápido e menos sedentário.

Alcançou a moça que parecia uma pena em seus braços. Ele nunca a havia tocado, mas naquele instante percebeu o quanto era delicada e o quanto parecia mais magra.

Luana não recuou como o de costume, quando ele tentava se aproximar. A garota apenas deixou ser abraçada e ser guiada de volta à margem.

Mateus sentiu sua camisa umedecer. Luana chorava; um choro silencioso que crescia à medida que ele a acomodava melhor em seus braços. Os soluços foram aumentando e se transformaram em gritos.

Luana se afastou e caiu de joelhos na grama.

— Eu preciso que isso pare. Eu não aguento mais. Me deixa acabar com isso! — Ela abraçou os joelhos e colocou a cabeça entre eles, ainda aos prantos.

Mateus se sentou ao seu lado.

Ele não sabia o que fazer, nem o que dizer. Apenas queria que a moça não sofresse mais. Achou que talvez devesse deixá-la desabafar, mas Luana não dizia nada. Tudo o que ouviam era o som de alguns pássaros nas árvores ao redor e o choro dela.

Mateus, ao fitar o chão, à procura dos sapatos de Luana, notou seus tornozelos marcados. Também haviam cortes nos pulsos da garota.

— Eu sei que não adianta muito ouvir isso agora, mas eu estou ao seu lado. Você não está sozinha.

Luana levantou o rosto, mas não o encarou. Continuou fitando o rio, os olhos perdidos e vermelhos.

— Eu só queria que ela fosse embora. — Ela esfregou os pulsos sujos de terra e grama, ainda machucados, que começaram a sangrar com o atrito. Lágrimas voltaram aos seus olhos.

A dor estava refletida em seu olhar como se fosse uma presença viva e sufocante. Os pensamentos presos em memórias de anos atrás.

Luana ainda podia ouvir os gritos da mãe quando apanhava do marido. Ela lembrava do choro do irmão menor quando via o pai bater na mãe deles. Para Luana era como se o pai estivesse ali de frente para ela, ameaçado matá-los assim como fez com a esposa. A imagem da mãe inerte a visitava todas as noites e nem os calmantes eram capazes de fazê-la esquecer.

Mateus com carinho tocou lhe os dedos, impedindo que ela se machucasse ainda mais.

Com cuidado foi se aproximando, apenas tocando sua mão. Lembrou do que a mãe sempre fazia quando estava preocupada com algo e que trazia paz para toda a casa. Ele cantou.

Há esperança para o ferido

Como árvore cortado, marcado pela dor

Ainda que na terra envelheça a raiz

E no chão, abandonado, o seu tronco morrer

Há esperança para o ferido

Como árvore cortado, marcado pela dor

Ainda que na terra envelheça a raiz

E no chão, abandonado, o seu tronco morrer

Há esperança pra você

Ao cheiro das águas brotará

Como planta nova florescerá

Seus ramos se renovarão

Não cessarão os seus frutos

E viverá*

Aos poucos, o choro de Luana foi diminuindo até ela se acalmar. A voz profunda de Mateus a tirou dos pensamentos conturbados e a fez focar no que aquela letra dizia.

Ele falava de esperança?

Como sentir esperança quando tudo o que se sentia era vazio e tristeza? Quando nem o amor da tia e do irmão era suficientes? Quando ela queria desistir do tratamento, da terapia, da medicação e de tudo?

Mateus a abraçou e Luana fechou os olhos, respirando fundo. Ela estava ferida por dentro e por fora.

Ele lhe falou sobre um Rio, cujas fontes não secam. Um Rio que saciaria sua sede.

Luana sentia sede. Mas sede de algo desconhecido. Ao ouvir sobre Aquele que podia curar todas as suas dores e feridas, a garota se sentiu estranhamente aliviada. Sentiu uma paz que nunca havia sentido antes.

Ela olhou para os pulsos com linhas em vermelho vivo, juntas de outras mais escuras. Havia esperança para o ferido. Havia esperança para ela.

A adolescente fitou o sol se pondo, tingindo o rio de um tom rosado. Um tom parecido com suas marcas. Sua atenção agora estava no rio. Ela não mais queria se afundar naquelas águas rasas, mas desejava ser regada pelas águas do Rio que Mateus lhe falou. Até aquele momento, ela se sentia morta, como uma árvore cortada e com as raízes envelhecidas, mas necessitava de ser regada de esperança. Precisava que seus ramos fossem renovados: que sua esperança brotasse e criasse raízes para se fortalecer.

Mateus se levantou, pegou os tênis dela e lhe estendeu a mão.

Assim como a noite chegaria em breve, outro dia nasceria. Ela esperava que o sofrimento de sua alma chegasse ao fim.

Ainda havia esperança para ela.

*Música: O Cheiro Das Águas — Diante do Trono  

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