Capítulo Único

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Ana caminhava pelo bosque de outono, pisando em folhas secas e alaranjadas. Cantarolava junto com os pássaros, segurando firmemente um pote de sementes de girassol.

Seu rumo para aquele bosque, era até a casa de seus avós. Seu plano é passar o final de semana lá, se deliciar com as tortas de maçã de Dona Odete, e ouvir as histórias de Seu Jorge.

Com sua imaginação, se sentia a própria Chapeuzinho Vermelho indo para a casa da vovozinha. Mas é claro, ela não desejava nenhum lobo para lhe passar a perna. Desejava encontra-los em breve, e receber um grande abraço apertado.

*

Reconhece a casa laranja que combinava com a estação, os enormes carvalhos e os campos cheios de girassol. Apressa os passos alegremente e bate várias vezes na porta de madeira velha. Ninguém atende. Mas mesmo assim, entra entusiasmadamente.

Percebe que o clima cheio de luz e sorrisos estava fraco, a casa tinha um silêncio torturante que tocou a alma de Ana de forma negativa.

Chama seus avós várias vezes e não recebe resposta. Mas por fim, os encontra sentados nas poltronas da sala principal. Um sorriso surge em seu rosto, e suas preocupações somem na hora. Ela abraça fortemente seus avós, e começa uma conversa com assuntos variados.

Assuntos que somente a verdadeira Ana gostava de conversar, assuntos tão aleatórios e estranhos, que só os seus avós tinham paciência pra escutar.

Ana tagarelava pela sala, sem notar o vazio nos olhares de seus familiares. A sua felicidade falava mais alto que seus pensamentos negativos, descartava qualquer ideia de que eles possam estar tendo um dia ruim. Continuou falando e andando pela casa, espalhando suas risadas e sorrisos.

*

Acompanhando Seu Jorge pelos campos de trigo, o observa cuidar de cada plantação. Se lembrou que adorava ajuda-lo a regar as plantinhas, ou espalhar sementes pela terra. Retira o pote de sementes de girassol e segue até um canteiro vazio. Afunda cada sementinha na terra.

"Algum dia, esses girassóis vão crescer!"

"Crescer e crescer"

"Talvez crescerão tanto, que vão alcançar os céus"

"Ou até a Lua... Ou o Sol"

Olhou ao redor, e notou os outros canteiros que enchera de girassóis. Todos os canteiros estavam cheios de girassóis grandes e bonitos, até seu avô parou para admira-los.

- Você viu eles? Eu que plantei! – Exclamou para Seu Jorge, mas ele permaneceu quieto e olhando fixamente para as grandes flores.

- Eu sinto muito a sua falta, querida Ana. Queria ter ajudado a plantar esses girassóis – Respondeu o avô, com um tom triste. Ana não entendeu muito bem sua fala, mas se afastou e foi rever a avó.

*

Subiu alguns degraus e entrou pela porta da cozinha. Sentiu o delicioso cheiro de torta, e correu para perto de Dona Odete, que enfeitava uma torta com pedaços de maçã. Durante meia hora, Ana observava a avó enfeitar delicadamente aquela torta. Era divertido ver todo o processo até finalmente chegar o momento de se deliciar.

Estava quase pronto, só faltava uns toques finais. Aqueles toques que se complementavam e davam mais sabor. A idosa abriu os armários e retirou um pote de castanhas, ela caminhou de volta até o balcão, mas paralisou. Seus olhos se focaram nas figuras que enfeitavam o pote, vários girassóis de diversos tamanhos.

- Vovó? Está tudo bem? – A menina pergunta.

- Sinto sua falta, querida Ana. Queria que você estivesse aqui para comer tortas comigo – Uma lágrima escorreu pelo rosto de Dona Odete.

Aquela lágrima partiu o coração de Ana, aquele dia estava muito confuso para ela. Por quê todos estavam tristes e sentindo sua falta? Sendo que Ana estava ali de braços abertos.

Depois daquilo, ela notou todos os detalhes. Ninguém estava percebendo sua presença, ninguém falava diretamente com ela, ninguém a via. Vários pensamentos surgiram em sua cabeça, ideias malucas sobre o que poderia ter acontecido para chegar até esse ponto. Mas, ela não se desesperou, engoliu as tristezas e não deixou que aquela realidade a matasse novamente.

*

A fazenda não era mais a mesma sem Ana, sem sua presença, fez o tempo ficar tedioso e deprimente para Odete e Jorge. Sem a sua neta, não tinha mais sentido olhar para aqueles girassóis.

Os dois encaravam o céu negro, sem saber o que dizer um para o outro. Aquela tristeza profunda os matava por dentro, doía como o inferno. Mesmo admirando a Lua, ela não era capaz de dar brilho aos olhares vazios.

- Eu sinto falta dela, Jorge

- Eu também sinto falta dela, Odete.

- Mas eu estou aqui... – Insistiu Ana.

Estar entre eles não adiantava, sequer notavam sua presença. Abandona-los seria algo doloroso.

"Qual é a graça de eu estar aqui"

"Se vocês não podem me ver"

Deu seus últimos respiros, viu seu corpo brilhante desaparecer. Deixou suas sementes. Os abraçou fortemente e nem notou se juntar as estrelas.

Odete e Jorge sentem pequenos objetos em suas mãos, abrem lentamente e veem um punhado de sementes de girassol.

"Eu os amo"

"Estarei vendo vocês plantarem meus girassóis"

Pote de GirassolOnde histórias criam vida. Descubra agora