Chocolate

[01] Vodca

Ontem

quando saí da cama

o sol caiu no chão e rolou pela grama

as flores decapitaram a si mesmas

a única coisa viva que sobrou fui eu

e eu já não sei se isso é vida

- depressão é uma sombra que mora em mim (Rupi Kaur)

🍫

As pontas dos meus dedos deslizavam pelos fios negros do meu cabelo, sentindo a maciez costumeira do pelo recém aparado em algum salão no centro da cidade. Mais um dia eu me encontrava na sala de música desativada do colégio público onde estudei metade do meu ensino fundamental e ensino médio.

- Jungkook?

A voz familiar de Hoseok ecoou pela sala imunda com janelas embaçadas, eu estava deitado sobre o banco comprido que ficava estrategicamente posicionado em frente ao piano velho que um dia Yoongi me ensinou a tocar. Quando ainda tinha paciência e inocência para tais atos.

- O que você ainda está fazendo aqui? – havia muito peso em suas palavras, a preocupação quase palpável.

- Esperando todos voltarem, você viu o Yoongi por aí? Ele prometeu que me levaria para ver o mar com todo mundo, mas ele não cumpriu o acordo de me encontrar aqui... – Disse agora usando a madeira para me sentar e olhá-lo.

- A quanto tempo... Faz quanto tempo que vem para cá?

- Nove... Não! Dez dias! Você também viu os outros? Eu sei que Namjoon foi transferido, mas SeokJin não me olha mais nos olhos e você é o único que falou comigo em muito tempo.

O beta desviou o olhar, mordendo o lábio inferior antes de balançar a cabeça negativamente. Ele se recusava a me fitar enquanto caminhava toda uma linha reta para pegar um estojo que havia esquecido desde a última vez que viemos todos para cá, eu me lembro porque o encarei por tempo o bastante enquanto estive esperando alguém aparecer.

Por fim Hoseok se aproximou de mim, esticou a mão devagar pegando em meu pulso e me puxando para fora da sala, fechando a porta atrás de nós dois em um baque surdo, o seu olhar disse tudo, mas as palavras seguintes foram um soco no estômago.

- Vai para casa, Jungkook.

E foi aí que eu percebi que aqueles tempos não voltariam, foi nesse instante que eu me senti estranhamente exausto, como se a única coisa que pudesse carregar minhas baterias fosse exatamente aquilo que escorrera pelas minhas mãos sem que eu ao menos pudesse notar.

Saí da escola em passos lentos, estranhamente imaginava que Hoseok estaria mentindo, mas sabia que ele não faria isso, maldito seja aquele que me fez nascer tão frágil. Eu odeio ser um ômega, só queria ser tão forte quanto qualquer Alfa, talvez essa dor no peito não passasse de nada além de um desconforto, enquanto eu mesmo podia sentir que o órgão, como se fosse feito de vidro, estivesse trincando a cada passo longe da sala onde eu sei que deveria estar esperando Min Yoongi.

Naquela tarde eu não fui para casa, passei em uma loja de conveniência do lado oposto ao que eu sei que deveria seguir e então fitei todos aqueles doces, queria me empanturrar até esquecer todos os meus problemas, mas no fundo do estabelecimento garrafas transparentes me chamaram a atenção. Eu não tinha idade para beber, com certeza ficaria de castigo se meu pai descobrisse que tentei comprar bebidas sozinho ainda faltando apenas dois anos para atingir minha maioridade.