O Sol estava quase se pondo quando Helena Portiviv escancarou a porta do salão com um chute. Entrou no recinto pisando firme. Sangue seco cobria seu rosto, seu pescoço, sua capa negra e suas pesadas botas de couro. Os olhos negros inflamados de raiva e as bochechas vermelhas. Ela não parecia nada feliz.
No centro do salão encontrava-se uma grande mesa de madeira rústica de doze lugares, onde onze homens encaravam surpresos em suas cadeiras estofadas de vermelho enquanto ela caminhava até eles, sujando o tapete vermelho de luxo com lama e estrume. Helena sorriu maliciosamente para eles.
Bastardos. Pensou. Nem me esperaram antes de começar a conspirar
Helena passou os olhos pelo salão. A luz do Sol penetrava os três grandes vitrais coloridos que adornavam a parede de pedra. Helena bufou e semicerrou os olhos, se focasse a visão podia ver o Sol escondendo-se no horizonte. Do outro lado do salão uma estante de livros cobria toda a extensão da parede, do chão ao teto, duas escadas de madeira presas a ela. Quando criança, Helena tinha o costume de admirá-los, tentar decifrar as figuras e passar as mãos pelas lombadas de couro, embora nunca tenha chegado a ler algum. Mas agora sua atenção não estava nos livros, nem nos enormes vitrais do salão. Mas no homem na ponta da mesa.
Ela andou devagar, o chão de madeira rangendo sob seus pés diante do silencio do salão, até a ponta da mesa, onde Alexandre, o líder, o homem que a criara quase como uma filha, estava sentado em uma grande poltrona de veludo. Atrás dele uma lareira queimava devagar. Alexandre tinha com uma aparência cansada, porém rígida. A pele pálida e olheiras sob os olhos, ombros encurvados. Não era mais o belo guerreiro que fora um dia. Pensou Helena. E lembrou de quando ele a encontrara escondida entre os escombros, segurando uma espada que ela mal conseguia levantar para proteger o irmão ferido. Irmão este que agora a analisava em silêncio enquanto ela se movia pelo salão. Dante. Seu coração se contorceu de saudade quando os olhos do irmão encontraram os dela, mas ela desviou logo e focou em Alexandre novamente, que a encarava agora com dúvida.
Ela jogou uma espada suja de sangue coagulado na mesa. Alexandre recuou assustado.
-Está feito – declarou Helena.
Alexandre empurrou a espada para longe de seus documentos e ajeitou-se em sua poltrona franzindo a testa.
-O que está feito?- Perguntou.Helena sentou-se na cadeira vaga ao lado de Alexandre.
-Eu o matei. Jonathan está morto.
Ela colocou os pés no braço da cadeira e passou a limpar as unhas com uma faca que tirou do bolso, ignorando qualquer explicação que eles esperavam receber.
Ergueu os olhos e percebeu que o restante do conselho ainda estava em absoluto silêncio observando ela e Alexandre. Todos os homens olhavam para ela incomodados, aparentemente ela tinha atrapalhado uma reunião importante. Que pena.
-Certo- disse Alexandre e suspirou.Ela lembrou-se da discussão que teve com ele quatro semanas antes de desaparecer sem avisar ninguém além de Dante. Lembrou das palavras dele em seu escritório quando ela disse que não executaria a missão. Criança burra mimada. Menininha birrenta. Vadia. Lembrou do medo que sentiu quando ele a colocou contra a parede. De repente toda a raiva que sentiu durante as semanas passadas se acumularam e ela sentiu o corpo esquentar. Controle-se. Lembrou a si mesma.
-Bem – disse Helena passando os olhos pela mesa com um ar de superioridade – Sinto que atrapalhei um momento importante – Ela encarou Alexandre – Acredito que temos muitas propostas excelentes para recusar.
A deixa foi o suficiente para seguirem a reunião como se ela não estivesse ali. Ficou alguns minutos em silêncio escutando a reunião, a espada suja de sangue ainda intocada na mesa. Era a mesma baboseira de sempre: contratos de serviço, informações sobre o exército, boatos sobre a guerra, propostas de serviço tanto do reino de Carmian quanto de Mordom, que foram logo recusadas por Alexandre, que argumentou que o pagamento não era o suficiente. Naquele momento Helena não pode evitar revirar os olhos. Alexandre estava sendo um total idiota. A tropa era o exército mercenário mais famoso do continente, todos os temiam e respeitavam.
YOU ARE READING
A Chama de Darmian
Fantasy''Tarde da noite alguém se arrastava pelos telhados. Pousou silenciosamente na rua de paralelepípedos e passou a se esgueirar entre as sombras. As ruas estavam molhadas e embarradas da chuva recente, o vento frio levava as nuvens embora e as estrela...