Parte II

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— Cor?

— Violeta. Animal?

— Gato. Constelação?

— Gêmeos. — As duas meninas riram. — Cidade?

— Londres. — Audrey suspirou. — O rock nasceu lá, eu adoraria cantar no Royal Albert Hall.

— Porque você nunca cantou para gente? — May questionou, inclinando- se na mesa.

— Eu não sei.

As duas garotas se encararam. Já passava das oito e elas não mostravam sinal de que queriam ir embora. Tinham comido dois hambúrgueres e um refrigerante, tudo para que a garçonete do Ferrenty's não ficasse irritada. Depois do péssimo momentos inicial, elas tinham se soltado e a conversa fluía calmamente. May tinha deixado a timidez de lado e Audrey baixou um pouco sua guarda e permitiu que a outra menina entrasse um pouco.

— Música? — Audrey perguntou. Antes de May falar, as primeiras notas rápidas do piano e do saxofone preencheram a cafeteria.

— Essa. — May disse, fechando os olhos. Fly me to the Moon, cantando por Frank Sinatra. Lançada alguns anos antes para tematizar a viagem da Apolo 11 que tinha alcançado a lua aquele ano. Jazz não era o ritmo musical favorito de Audrey mas ela gostava de alguns cantores e músicas.

— Frank Sinatra? — Audrey disso. De certa forma ela imaginava que esse seria o tipo de música que May gostava. — Uma música sobre a lua.

— Sim. — May abriu os olhos e sorriu. — Minha mãe escuta essa música sem parar repetidas vezes, ela diz que lembra meu pai.

— Eu não sou fã de Jazz, mas tenho que me curvar a Frank Sinatra.

— Você prefere Yellow Submarine ou então Hey Jude. — May disse, erguendo uma sobrancelha e tomando o último gole de refrigerante do seu copo.

— Como você sabe que eu sou fã dos Beatles? — Audrey jogou os cabelos para trás, curiosa. May estava mais leve do que no início da conversa, dizia frases cada vez mais ousadas e que a surpreendiam.

— Eu tenho observado você. — Ela disse, desviando o olhar.

— Então o que você descobriu, Madame Curie? — May revirou os olhos.

— Você sabe que ela era uma química certo? E que eu estudo física?

— May, eu acho você inteligente para cacete mas às vezes uma sabe tudo estraga a graça das coisas. — Audrey sorriu. — O que você descobriu?

— Você gosta de todos os doces que tem chocolate, odeia sapatos abertos e acordar antes das onze da manhã. Já esteve em quase todos os estados do país e tem uma coleção de globos de neve de cada um deles. Gosta dos Beatles, Pink Floyd e The Rolling Stones. Canta maravilhosamente bem e nunca fica nervosa antes de subir ao palco.

Uma pausa longa. As duas meninas se encararam.

— Uau, Miles te contou muito sobre mim...

— Ele não me disse nada. — May estava um pouco ofendida. — Eu só observei você.

— Imagino que tenha sido mil vezes mais chato me observar do que resolver uma das duas fórmulas malucas da faculdade.

— Pelo contrário. — May sorriu, se inclinou um pouco mais, olhando diretamente no fundo dos olhos de Audrey. — Você acabou se tornando o mistério mais incrível que eu passei a desvendar.

A eletricidade entre as duas meninas era forte e palpável. O ar estacionou entre elas, pesado e denso, suas respirações se misturando, mesmo que estivessem separadas pela mesa de madeira da cafeteira. Um calor estranho subiu pelas mãos de May, ela queria tocar Audrey mais do que tudo. Queria explorar as curvas delicadas do seu rosto, o contorno discreto dos seus lábios, passar a mão pelos cabelos negros e macios da menina.

— Eu trouxe a conta. — A garçonete disse, colocando um papel pardo riscado em cima da mesa. — A cafeteria já vai fechar meninas.

— Obrigada. — May disse, pegado sua bolsa e sacando dinheiro.

— Vai pagar sozinha? — Audrey perguntou.

— Eu que convidei, Janis. — May piscou para a garota. Audrey riu.

— Realmente acha que pareço a Janis? — As meninas se levantaram e começaram a andar em direção a porta.

— Ah, qual é, você definitivamente parece a Janis.

As duas cruzaram a porta e ficaram lado a lado, observando a rua. O céu de Nova York era preto como uma xícara de café, pouco se via das estrelas, a não ser que você fosse para o lugar certo e May conhecia todos eles. Um vento suave soprou sobre as duas, a avenida estava quase vazia mas iluminada. Manhattan não era a parte mais perigosa de Nova York naquela época, porém as pessoas gostavam de estar em suas casas cedo.

Audrey olhou para May, ela não tinha reparado no vestido azul claro da menina, de alças grossas e saia rodada. Ela parecia uma boneca, com os sapatos brancos de saltinho e com um laço, o vestido bem marcado na cintura e o rosto perfeito. May era linda, por dentro e por fora.

— Vamos? — Ela perguntou, estendendo a mão para Audrey. De mãos dadas, as meninas caminharam pelas ruas quase desertas, escondendo-se nas partes escuras e sentindo o calor uma das outras nas palmas de suas mãos.

Fly me to the Moon ainda tocava na cafeteria, alto e claro, acompanhando as duas amantes enquanto sumiam na escuridão.


Fly me to the MoonOnde histórias criam vida. Descubra agora