Prólogo

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Apesar de todo o estardalhaço feito pelos Cadeados quando entraram na modesta casa flutuante de madeira, o garoto de cabelos negros e aparência lânguida não fez um único movimento para sair de sua cadeira à beira da janela. Ainda é meio-dia, mas a luz do sol não consegue penetrar entre o enorme emaranhado de folhas e galhos das muitas árvores tortuosas que formam uma grande cúpula no centro do Pântano Esquecido, fazendo com que sempre pareça ser noite naquele local tão peculiar e fétido.

A única mulher dentre os cinco Guerreiros Cadeados segue sempre na frente, mantendo uma expressão autoritária no rosto e mostrando claramente sua liderança perante o grupo. O seu manto negro, diferente do de seus subordinados, reluz a mercê da claridade oscilante das velas enquanto ela desbrava a cabana atrás de seu alvo. Não demora muito até que os guerreiros cheguem ao último quarto e arrombem a porta revelando o garotinho que insiste em continuar sentado em frente à janela observando a água lamacenta do pântano.

A guerreira regente do grupo afasta o seu capuz, revelando um rosto digno de realeza e cabelos de um vermelho intenso presos em um longo rabo de cavalo que segue até o final das costas. Ela sinaliza para que seus acompanhantes permaneçam fora do quarto, parados na porta, então entra a passos lentos e para a mais ou menos cinco metros do garoto que agora tem uma expressão de curiosidade no rosto e parece farejar o ar.

- Faris...? - O jovem balbucia o nome sem muita certeza. – Sim... Faris. Só pode ser você.

A mulher sustenta sua inexpressividade.

- Olá, Bernad. – Sua voz é melódica e afiada como a lâmina de uma espada obsidiana recém limada. – Como ainda se lembra de mim? Já faz muito tempo desde a última vez que nos encontramos. – Um sorrisinho trocista se forma em seus lábios.

A criança tenciona o maxilar ao se lembrar de seu último encontro com a guerreira. Uma expressão animalesca toma conta de seu rosto deixando ambos os caninos de fora, como um gato arisco que chia para o inimigo antes de atacar. Porém ele logo se acalma, mesmo que para isso tenha sido obrigado a cravar suas unhas no próprio braço.

- De fato, muitos anos... – Uma longa pausa se segue. – Porém nem em milênios eu esqueceria esse seu cheiro almiscarado repugnante. Minhas narinas já estavam impregnadas por ele antes de você e seus homens atravessarem o Portal das Torres para chegar aqui.

A mulher força uma risada melodiosa e nada espirituosa. Então se aproxima alguns passos do outro, que imediatamente se coloca em pé, porém permanece virado de costas.

- O que houve, Bernad? Se sentindo ameaçado? – O tom nada amigável de Faris desperta no garoto um sentimento que ele há muito havia esquecido. Raiva.

- Vamos logo, mortal. Diga-me o motivo de você ter vindo até mim no aniversário de cem anos da última vez que nos encontramos! – A voz de Bernad transborda com nojo e desdém. – Justamente nesse dia... nesse mesmo dia, há cem anos atrás você tornou a minha vida uma desgraça. Está de volta para terminar o serviço?

Faris desembainha sua espada ao sentir o tom de ameaça na voz de Bernad.

- É melhor começar a se acalmar, querubim. Você sabe que não tem chances contra a minha espada... – Apesar da confiança que tem em sua espada de obsidiana, a mulher sente que algo não parece certo.

- Há! Seja menos pretensiosa Faris. – Nesse momento o Querubim de cabelos negros se volta para encarar a guerreira. – Sua espada só me fará mal se você conseguir me acertar com ela. Há cem anos atrás você não conseguiu, agora não será diferente. – Os olhos dourados do garoto encaram a guerreira de cabelos carmesim de forma vidrada, quase selvagem.

O Ciclo das Eras: HaloWhere stories live. Discover now