Dias e noites se passaram imersos numa escuridão incompreensível.
Kaioul tinha sido encontrado em coma na manhã de natal, sozinho em seu quarto, encolhido no chão como um animal. Os médicos não deram esperanças à sua família. Alegaram não saber do que se tratava, já que todos os exames estavam normais e indicavam que o paciente estava, apenas, em sono profundo.
Quando acordou, pouco depois do ano novo, sentiu uma imensa dor de cabeça até conseguir se mexer e se levantar. Jogou o lençol que o cobria para o lado, sentou-se na cama, arrancou o soro e os fios que o ligavam às máquinas que o mantiveram vivo durante aquelas semanas.
O barulho ensurdecedor da máquina irrompeu pelo quarto e Kaioul foi tateando pelas paredes, na escuridão, tentando encontrar o interruptor.
— Senhor Ludwig, Senhor Ludwig. O senhor tem que voltar para a cama. — Uma senhora disse bem perto de Kaioul, causando-lhe um susto.
— O que estou fazendo aqui? Que barulho é esse? — Kaioul olhou em direção à voz e tateou. As pontas de seus dedos tocaram o rosto da mulher de um jeito invasivo.
— Senhor Ludwig? O que aconteceu com... — ela se calou e se afastou. Seus pés fizeram um barulho de asas de anjo, voando corredor à fora.
Kaioul continuou tateando até finalmente encontrar o botão que acenderia a luz. Aperto-o várias vezes, mas só ouvia o barulho do interruptor sendo ligado e desligado. A lâmpada estava queimada.
Tateou de novo, andando fracamente pelo quarto, mal sustentando-se sobre suas pernas. Estava doente e tudo o que sabia de si era aquela dor horrível nos ossos. Finalmente encontrou as cortinas. Abriu-as com força e depois escancarou a janela.
O frio e alguns flocos de neve atingiram seu rosto em cheio, o barulho da rua, dos carros e das sirenes inundaram o quarto. Mas a escuridão ainda era completa.
— Senhor Ludwig, por favor, volte para a cama! — A voz da mulher voltou, juntamente com um puxão decidido que o encaminhou de volta para seu leito.
— O que aconteceu com a cidade? — perguntou ele.
— Com licença, Matilda. Eu assumo daqui. — Uma voz mais grave soou e foi acompanhada e uma incômoda ação que irritou Kaioul ao extremo. O homem afastou as pálpebras do paciente, abrindo bem os seus olhos.
— Ai! — Kaioul protestou, afastando-se. — Por que está fazendo isso?
— Algum sinal de traumatismo, Matilda? — perguntou o homem.
— Nenhum, Dr. Belshoff.
— Senhor Ludwig, o senhor caiu da cama ao se levantar?
— Não.
— Se lembra de algo...
— O que aconteceu comigo? O-o que é isso? Onde eu estou?
— Chame o neurologista, Matilda. — O médico pediu.
— Sim, senhor.
— O que aconteceu? — Kaioul alterou a voz, impaciente. — Por que ninguém diz nada? O que está acontecendo aqui? — ele gritou.
— Você passou por um pequeno período em um tipo peculiar de coma, senhor Ludwig, e ainda não sabemos a causa. Tudo o que tem a fazer é descansar. Daqui a pouco será atendido e alguém explicará sua situação. Alguém tem que explicar. — Kaioul o ouviu sussurrar a última frase, mais para si mesmo. Sua audição estava assustadoramente afiada como nunca estivera antes.
— Não! Espera! Eu preciso ver a Anna. Chame-a, por favor.
— Quem? — o médico perguntou.

VOCÊ ESTÁ LENDO
A cor dos olhos
HorrorKaioul Ludwig caminha pela cidade de Berlim, aproveitando o dia bucólico e branco do inverno. Faminto, ele procura um restaurante onde possa desfrutar de um bom prato quente e refletir sobre a existência da vida e do mundo. Apesar de frio, o dia pa...