Bailarina Mecânica

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Ouçam a música e boa leitura.

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O observador adentra o auditório da escola, abrindo as portas que antes se encontravam encostadas. Elas rangem, e unhas invisíveis percorrem a extensão de sua coluna com o tilintar ferruginoso que precede o interior. O ambiente tem aquele cheiro característico, o dos tecidos das cadeiras e das paredes.

As cores estão desbotadas, cinzentas, como se a cena estivesse sendo vista através de uma lente antiga, e o ar carrega uma energia densa, sobrenatural que causa medo, inquietação e um pouco de curiosidade ao mesmo tempo, que deixa o observador agitado.

Andando em direção ao palco, passa pelas paredes da grande sala, que estão respingadas de sangue cuja intensidade aumenta conforme se aproxima do fundo. As manchas vermelhas também cobrem os pisos de madeira que compõe o pequeno palco, e formam poças frescas do líquido viscoso.

O observador percebe que no entanto, algumas manchas estão secas, como se o cenário macabro acontecesse há algum tempo e fosse constante, assim como um pesadelo que se repete noite após noite.

Um calafrio lhe percorre a espinha, quando no centro vê uma bailarina, de vestido branco levemente rodado, de tecido encardido e gasto pelo tempo, corroído pelas traças como um livro antigo e empoeirado. Ela não lhe dá atenção, permanece no chão, alongando-se; uma perna na frente da outra, abertas por completo, alcança seu pé com os braços, esticando-se a frente de seu corpo, tão pálido, translúcido. Uma de suas mãos traça floreios delicados e robóticos no ar, balançando os dedos finos de mármore, enquanto a outra permanece alongando sua perna.

Ela movimenta-se com a graça de uma bailarina mecânica, com leves trancos a medida em que inclina seu corpo pra trás, seus dedos frios acompanhando a descida de seus ombros. Era como se estivesse enferrujada.

Mesmo de longe, o observador percebe que ela não é humana - não poderia ser - e sabe, com um arrepio na nuca, que ela sequer está viva, e tem certeza de que nunca mais esquecerá aquela melodia, Love Story que toca ao fundo daquele balé macabro.

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