Capítulo Único

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O baú escuro do furgão balançava com intensidade. Os corpos trombavam-se o tempo inteiro; o som das correntes das algemas era constante. Estavam todos com os pulsos presos nos cilindros das paredes. Nicolas respirava o mau cheiro daquele ambiente com desgosto. Estava inexpressivo, sentindo enjoo, medo e desconforto no meio daquelas dezenas de pessoas que quase não cabiam ali.

No fundo, o desespero o dominava. Ele estava vivendo um completo caos interno. Uma guerra. Por fora, permanecia calado, tentando se manter em pé a cada movimento brusco do veículo.

— Pra onde estão nos levando? — perguntou uma mulher, o tom de voz deixava claro seu amedrontamento.

— Nós vamos morrer, vamos morrer, nós vamos morrer... — murmurava outra em um canto.

— Que nada! — respondeu um rapaz, tentando disfarçar o medo na voz. — Aposto que apenas querem verificar algumas coisas...

— Eu não fiz nada... juro que não fiz... — outro garoto, parecia ter 15 anos, falou ao lado de Nicolas. Parecia que estava prestes a chorar.

A mente confusa do rapaz não parava de pensar em Alan, onde estava e por que haviam os separado. Ele não fazia ideia se o garoto estava sendo levado para o mesmo lugar que ele ou se nunca mais voltaria a vê-lo. Com as medidas políticas tomadas recentemente, ambos temiam a algo desse tipo. Estavam, de certa forma, conformados com a probabilidade de isso acontecer uma hora ou outra. Contudo, quando a realidade chegou de fato e os esbofeteou no rosto, a conformidade extinguiu. Agora, Nicolas sentia medo; estava apavorado com tudo aquilo, por mais que evitasse demonstrar. Suava frio como todos. Balançava conforme as ruas passavam. Já faziam horas que estava ali, de pé, algemado.

Após fazer uma curva, o furgão andou mais um pouco e começou a dar ré. Enfim, parou. No instante seguinte, os motores já foram desligados e ouviram-se as portas do carona e do motorista abrindo e fechando. Um silêncio se instaurou por um longo e intenso momento. Eles pareciam estar em um local barulhento, no qual os sons eram bem abafados pelas paredes de aço do veículo.

— Será que chegamos? — indagou alguém perto das portas, que logo foram abertas de súbito.

Uma luz forte invadiu com violência, cegando Nicolas. O garoto moreno foi obrigado a abaixar a cabeça para evitar a iluminação. Além disso, os sons também ficaram bem mais altos. Era um aglomerado de vozes, algumas enunciadas por alto-falantes, outras eram gritos histéricos de homens furiosos.

— Ninguém se mexe! — berrou alguém na porta, do lado de fora.

Entraram, então, dois soldados; exprimiam-se para passar entre os corpos do furgão. O coração de Nicolas tentava arrebentar seu peito. Os homens começaram a soltar as algemas dos cilindros, no entanto, as prendiam em uma corrente extensa, juntando todas as pessoas ali aos poucos. O militar encarregado de prender Nicolas com os outros foi extremamente bruto. Após soltá-lo da barra, não deu nem mesmo um segundo para respirar, agarrou o cabelo do rapaz e o virou de maneira hostil, já passando a argola da algema em um dos elos amplos da corrente metálica. Nicolas se viu preso — praticamente acorrentado — com todas aquelas pessoas desconhecidas.

Os soldados não eram nada gentis com ninguém ali. Tratavam quem não obedecia como brinquedo, botavam mais medo em quem já estava em pânico e agrediam aqueles que questionavam. Não pareciam humanos. Não agiam como tal.

Com os fuzis presos às costas batendo contra os rostos alheios, eles pularam para fora do baú e ordenaram:

— Desçam!

Era impossível não obedecer, afinal, foram puxados pela corrente. Eram animais indo para o abatedouro, Nicolas sabia. Mas não conseguia colocar na cabeça que Alan não estava ali com ele. O garoto nem se lembrava qual fora as últimas palavras trocadas com ele. Não podia acabar daquele jeito. Eles precisavam se encontrar.

Contra o Estado (CONTO)Onde histórias criam vida. Descubra agora