Encontro

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    Minha mãe sempre foi uma mulher gentil. Sempre cuidou de mim, brincava comigo e se esforçava para que eu tivesse uma infância minimamente normal.
    Infelizmente ela também sempre teve a saúde frágil e tendo piorado nos últimos dias, acabou sendo internada no hospital em que meu pai era sócio.
   Eu tinha acabado de sair de mais uma visita a ela. Quando estava passando pelo pátio do local em direção a saída, comecei a ouvir baixos rangidos um tanto estranhos e como a criança curiosa que eu sempre fui, segui os sons até chegar em uma abertura entre as paredes do local.
   Me aproximei dela e a analisei. Era escura mas dava pra ver várias teias de aranha entre as duas paredes. Também era estreita de forma que um adulto comum não passaria, mas como uma criança pequena e magra poderia passar com facilidade.
    Ok. Eu sei que entrar em lugares desconhecidos não é uma boa ideia mas minha curiosidade era maior que os meus pensamentos negativos então entrei pela mesma a atravessando com facilidade.
   Quando cheguei do outro lado bati em minhas roupas para afastar a poeira e tirei uma teia de aranha do meu cabelo passando a observar o local onde estava.
   Era um grande jardim (e bota grande nisso) totalmente aberto. A única coisa que tampava o céu azul do verão eram as copas das árvores que formavam grandes sombras onde eu já me imaginava dormindo ou lendo.
   O local era lindo, totalmente gramado com alguns canteiros de flores que me surpreenderam por terem sobrevivido após o claro abandono do local.
   Olhei para o centro do lugar me assustando ao perceber um garoto aparentemente da minha idade de cabelo azulado e olhos da mesma cor me encarando em cima de um balanço enferrujado que provavelmente era o causador dos barulhos que me levaram até ali.
  - Desde quando você está aí? - perguntei sem pensar, ainda surpreso por não tê-lo notado antes.
  - Desde bem antes de você chegar.- ele respondeu sem expressão mas com os olhos demonstrado clara curiosidade.
  Ficamos nos encarando por mais algum tempo até ele quebrar o silêncio ainda com a face inexpressiva.
  - Você é estranho.- Ele disse depois de mais alguns segundos de silêncio e eu (finalmente) sai do torpor.
   Peraí. Eu? Estranho? Ele que apareceu do nada me encarando.
   Já ia revidar quando ele me interrompeu.
  - Qual o seu nome?- Ele perguntou derrepente antes que eu pudesse revidar voltando a balançar  lentamente ainda no balanço com os pés tocando o chão.
    E ele ainda teve coragem de dizer que eu que sou o estranho.
  - Você não deveria dizer seu nome antes de perguntar o meu?*- perguntei cruzando os braços. E ele desviou o olhar parecendo pensar voltando a olhar pra mim em seguida.
  - Acho que sim. Mas é você o estranho que invadiu esse jardim sem mais nem menos. - Ele respondeu.
  - Se você está aqui é porque fez o mesmo, não?- é claro que eu não ia deixar ele ficar me difamando e ficar quieto.
  - Me pegou.- Ele disse com um pequeno sorriso no rosto parando novamente o balanço.
  - Sou Kuroko. Kuroko Tetsuya.
  - Akashi. Akashi Seijuro. - respondi com um sorriso vitorioso no rosto me sentando na grama e fechando os olhos aproveitando a sensação.
    Fazia um bom tempo que eu não fazia isso. Desde que minha mãe veio pra cá eu só saio da sala de estudos pra fazer alguma outra atividade que meu pai mande ou vir para cá visitar minha mãe. Então mesmo tendo um jardim enorme em casa essa sensação de conforto que já era rara se tornou ainda mais difícil.
   Nesse horário meu motorista já deve estar me esperando. Mas eu não quero sair daqui tão cedo, e não é como se eu me importasse com ele.
    - Porque você está aqui? Não me lembro de ver você antes pelo hospital. - ouço Tetsuya falar depois de alguns momentos aproveitando o silêncio.
   - vim visitar a minha mãe.- eu respondi depois de pensar um pouco.
    Não acho que seja uma boa ideia contar para um estranho sobre a minha vida pessoal. Mas alguma coisa naquele garoto me fazia querer passar a tarde toda com ele. Conversando de tudo um pouco.
   E no final ele é só um garoto. Que mal podia fazer não é.
  - E porque ela veio pra cá?- ele perguntou me encarando.
  - Você não é curioso demais?- respondi cruzando os braços.
  - Sou. E se você está aqui quer dizer que também é, não?- Ele disse com um mínimo sorriso de canto usando minha frase contra eu mesmo.
  - Agora você que me pegou.- eu respondi também sorrindo. Depois suspirei e encarando a grama continuei.
  - Minha mãe sempre teve a saúde frágil e por algum motivo ela acabou piorando nas últimas semanas. Então meu pai mandou ela para cá.- disse o mais calmo possível.
   Venho tentado evitar que esse assunto me atinja. Afinal, sou um      Akashi não posso me deixar afetar por coisas assim.
  Mas sempre que vejo ela naquela cama me sinto... triste. Não gosto de vê-la tão fraca. E... Sinto falta dela em casa.
  - Entendo.- ele diz simples voltando a gangorrar e encarando o nada como se pensasse.
   Eu deito na grama encarando o céu, tentando focar nas sensações a minha volta e esquecer de tudo.
  Isso até que paro de ouvir o rangido do balanço. E antes que eu pudesse me levantar, sinto o azulado colocar minha cabeça em seu colo e afagar meus cabelos assim como minha mãe sempre fazia me fazendo fechar os olhos e sorrir inconscientemente.
   - A minha mãe costumava fazer isso quando via que eu estava chateado com alguma coisa. Não sei se ajuda. Mas... bom, eu não sei muito bem o que fazer pra consolar alguém.- Tetsuya disse sorrindo calmo enquanto continuava seu carinho me fazendo suspirar e balançar a cabeça levemente.
  - Não. Já ajuda o suficiente.- olho pra ele rapidamente antes de fechar os olhos novamente aproveitando a sensação até me dar conta que ele não tinha falado nada sobre ele até agora.
- Mas... E você? Porque está aqui?- perguntando voltando a encara-lo agora com olhar curioso.
   Sinto ele parar de afagar meu cabelo  fechando seu sorriso voltando a sua face sem expressão e olhando para o céu com um olhar melancólico.
  - Um acidente. Meus pais e eu estávamos saindo em uma viajem mas... Antes que pudéssemos chegar ao local um carro bateu no nosso.- ele suspirou com os olhos fechados e eu tranquei a respiração inconscientemente.
  - Acho que posso dizer que sou parecido com a sua mãe. Minha saúde também não era das melhores e aparentemente o acidente piorou minha situação. Então me "prenderam" aqui.- ele diz suspirando.
  -  Não tem muita coisa pra fazer por aqui, então enquanto passeava por aí acabei achando esse jardim.
  - As pessoas não costumam me notar facilmente então os médicos só percebem que eu sumi nas horas dos exames. No resto do tempo fico aqui.-  ele dá uma risada fraca e eu não sei se sorrio ou o abraço mas logo volto a minha expressão séria quando percebo que um detalhe não havia sido dito.
  - E...E os seus pais?
  Ele ficou em silêncio voltando seu olhar novamente ao céu e eu confirmo o que já desconfiava. Me sinto um pouco mal.
  - Entendo. - repeti o que ele disse. Não é como se eu soubesse consolar alguém. Nunca precisei fazê-lo, então não sei o que fazer.
  Ia pelo menos me desculpar por ter tocado no assunto mas antes que eu pudesse fazê-lo ele volta com o carinho em meus cabelos e passa a murmurar uma canção calma.
  Fecho os olhos para focar melhor na musica sentindo todas as sensações ruins que senti nos últimos dias se dissiparem junto com o clima pesado que havia se instalado no local.
  Quando a música acaba me sinto mais leve e sorrio levemente para o azulado.
  - Não precisa se preocupar comigo.- Tetsuya disse também desviando seu olhar para algum ponto aleatório como se se lembrasse de algo.
  - Uma vez eu e minha mãe fomos a um funeral de um amigo dela. Acho que ela não tinha com quem me deixar.- sorriu de leve com o próprio comentário.
  - Eu era bem mais novo na época mas pude notar que o tal amigo era bem próximo dela já que ele costumava ir bastante lá em casa. E mesmo sendo tão próximos  pouco tempo depois  do enterro minha mãe sorria como se nada tivesse  acontecido.- O olhei surpreso e ele direcionou seu sorriso para mim.
  -Eu perguntei para ela o porquê e ela me respondeu que quando uma pessoa importante pra você se vai, a melhor coisa que você pode fazer por ela é viver.
  - Viver o máximo possível sendo o mais feliz possível. Porque se essa pessoa realmente se importa com você, não importa onde ela esteja, ela vai querer que você seja feliz.
   Encaro a grama processando o que ele disse. A lógica é bem simples mas... Não acho que fazer isso seja tão fácil quanto parece.
  - Vou sentir falta deles. Mas eu acho que melhor do que ficar sofrendo pelo que aconteceu é fazer como minha mãe disse. Viver. Do jeito que eu achar melhor.
   Nós dois sorrimos um para o outro e eu volto a curtir o carinho que ele faz. Não entendo porque um garoto que eu acabei de conhecer faz eu me sentir tão bem e relaxado.
   Não faz sentido. Ainda mais se considerar que eu sempre fiquei com um pé atrás em relação a estranhos.  Os únicos que eu aturava eram os que meu pai me apresentava e isso não quer dizer que eu gostava de estar com eles.
   Mas com aquele garoto era completamente diferente. Eu me sentia em paz. Como se eu devesse confiar nele.
  - Eu tenho mais um exame daqui a pouco. Quer brincar um pouco no balanço antes? Eu te empurro.- saio novamente dos meus devaneios e balanço a cabeça animado sem me importar em parecer calmo ou educado.
   Me levanto rapidamente sentando no balanço enferrujado em seguida e enquanto Tetsuya me empurra vou pedindo para ir cada vez mais alto conseguindo ver além dos muros do jardim de vez em quando.
   Me senti livre como não me sentia desde que minha mãe havia sido internada.
   Naquele momento eu não era Akashi Seijuro herdeiro das empresas Akashi da qual nada era esperado além da perfeição.
   Eu era apenas Seijuro. Apenas mais uma criança, sorrindo como uma, sem nenhuma responsabilidade além de se divertir.
   Sem ninguém para agradar a não ser eu mesmo. Nenhum sorriso falso. Apenas risadas que expressavam minha alegria sempre que chegava no ponto mais alto.
    E enquanto isso Tetsuya sorria calmo fazendo o possível para atender meus pedidos e me empurrando cada vez mais forte.
   Naquela tarde nós invertemos as posições várias vezes conversando sobre assuntos aleatórios, conhecendo cada vez mais um sobre o outro.
  Até que enfim chegou a hora do exame do azulado e nós nos despedimos, comigo saindo de lá bem mais leve do que quando cheguei.

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