Na morte viveras

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Acho que vi o diabo nesta manhã. Olhando no espelho com aquele seu sorriso atraente. Ele me encarava furioso dizendo que havia escapado da linha traçada por ele, que não segui o seu caminho. Olho para o espelho e atrás do meu corpo magro está o anjo. Seus olhos azuis como o céu, meu anjo salvador. Meu amado imortal.

Na morte viveras

Parei para pensar em como seria a minha morte. Se ela seria rápida como se arrancassem meu coração com as próprias mãos ou lenta como se fizessem pequenos cortes em minha pele e me deixasse sangrar lentamente até uma morte sufocante e dolorida. Não sei se sentiria dor, não me dou muito bem com a dor, não é um tipo de sentimento que priorizo em minha vida.

Talvez sim, posso realmente morrer, mas isso leva um tempo, nada que se faça de uma hora para outra, precisaria de um certo planejamento e poder para isto.

Por hora só desejo ficar viva.

Meu nome é Angélica, nasci no dia 18 de janeiro de 1920, lembro-me de passar por um espaço apertado e de repente a luz em meus olhos, lembro de chorar ao sentir que tudo o que estava me protegendo acabara de acabar e que estava finalmente exposta a tudo e todos os perigos do mundo a fora. Todo aquele sentimento confuso de um recém-nascido durou tão pouco quanto o pôr do sol. Vim ao mundo chorando por sentir o ar empoeirado da cidade entrando nos meus pulmões e morri três dias depois porque meu corpo se negou a receber toda aquela poeira.

Por acaso já se perguntou o que acontece com uma alma pura? Tenho de te avisar que nem todos os recém-nascidos viram anjos que cantam no grupo musical do Senhor. Nossas almas ficam vulneráveis e fácil de ser agarrada pelas trevas. A tão profunda e isolada treva.

Seu coração para de bater quando não consegue respirar, seu corpo congela em questão de segundos a pele quente fica fria e roxa. Os lábios que choravam para ser alimentado por hora choram para não serem punidos injustamente.

Que besteira, essa garota Angélica fala aos quatro ventos.

Eu vi as trevas, fui segurada por ela quando minha alma inocente foi puxada para o inferno logo após o meu singelo funeral.

Sentia as garras ásperas do demônio segurando minhas costas, enquanto se gabava para outro demônio o que havia conseguido. Era uma certa dadiva conseguir algo tão puro para seu ego enorme. Os gritos desesperados quase me ensurdecia, conseguia ouvir cada centímetro de pele dos condenados serem queimadas.

Eles vangloriavam com gargalhadas como se estivessem prestes a dar início a um plano maligno enquanto o brilho da minha alma era apagado pelas trevas.

Suas asas negras de um metro e meio de diâmetro se abriram e ele voou em direção a duas lapides cinzentas. Entre elas havia uma porta de madeira queimada, o demônio a empurrou com uma das mãos e me cobriu com suas asas negras ao tocar os pés descalços na terra vermelha do inferno.

"Mestre", todo o barulho de grito cessou como se tivessem tapado meus ouvidos, "Tenho um presente para lhe entregar".

O demônio abriu suas asas negras revelando-me em seu braço. O Mestre levantou-se rapidamente de seu trono de ossos e espinhos, me encarou com seus olhos vermelhos medonhos. Ele esticou seus braços pedindo para que o demônio me entregasse a ele. O demônio o fez.

O Mestre me segurou com sua maior delicadeza demostrada e tocou minha testa desenhando uma cruz de ponta cabeça com sua unha longa e pontiaguda, minha alma sangrou no mesmo instante.

"Calisto", a voz do Mestre era como um trovão soando do céu em uma noite de tempestade, "ela é minha agora. Sempre foi seu destino ser uma rainha".

A garota das cinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora