capítulo um

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        Não sei bem por onde devo começar a falar sobre isso. Não encontro uma maneira de explicar que seja de fácil compreensão. É complicado para mim relembrar tudo o que aconteceu. Que, de qualquer forma, me marcou.

     Vou me apresentar.

    Nasci na Califórnia e, na época do acontecimento, tinha 16 anos. Nasci sem pai e sem mãe. E nunca fui à escola. Desde sempre moro com meus avós e meu irmão, Thomas, 5 anos mais velho que eu, em um bairro distante da cidade grande e agitada que eu via na TV, é um bairro deserto, e eu mal tenho vizinhos, lembro-me de não ter tido amigos e que sequer podia ir ao final da rua, muito menos dar a volta no quarteirão. Minha avó fazia de tudo para que eu não pensasse em "pais".

        Thomas é ruivo e tem os olhos de um tom marrom claro, ele gosta de jazz e as vezes ouve rock dos anos 90- cresci ouvindo suas músicas através da porta de seu quarto, o que me levou a gostar de jazz - Thomas também é pintor, era incrível cada quadro que eu o via começar e terminar. Ficava encantada com a leveza que ele segurava o pincel e com os detalhes que o mesmo fazia. Normalmente, desenhava uma mulher em paisagens diferentes, era sempre a mesma mulher de vestido branco, cabelos cumpridos pretos e lisos, seus olhos são totalmente negros, mas os traços do mesmo são contorcidos, como se sua identidade fosse desconhecida. Já cheguei a perguntar a Thomas quem era aquela mulher e o porquê de ele sempre desenha-la; ele não sabe ao certo o motivo mas acha uma mulher bonita, apesar de não ver o seu rosto. Nossa avó não gosta muito dos quadros em que ele à pinta, ela diz que é assustador demais para a arte e para os seus quadros cheios de flores e florestas repletas de borboletas e pássaros. E nessa parte tenho que concordar com ela, os olhos daquela mulher me causavam arrepios.
       Infelizmente, não nasci ruiva como Thomas, - não sabemos bem o porquê do seu cabelo ser ruivo, nossos avós não são. Nós não conhecemos muitos parentes, quando perguntávamos, diziam que eles moravam longe e que alguns morreram; e que eles também não eram ruivos- meus olhos são escuros, assim como meus cabelos. Quando tinha 7 anos, depois de tomar banho, minha avó costumava pentear meus cabelos, ela me dizia que eu me tornaria em uma menina muito bonita.

          Meus avós eram simples, meu avô morreu quando completei 14 anos, de alguma doença que não entendo direito, lembro-me que, antes de morrer, ele vivia me falando coisas estranhas, como se fossem indiretas ou algum tipo de concelho. Sentia que queria me contar algo, mas não entendia bem o quê - as vezes penso que esse pode ter sido um dos motivos de ele estar morto agora-. Minha avó gostava muito de artesanato, quase sempre, depois de fazer o café, ela se sentava na varanda com o James-nosso cachorrinho- e cantava enquanto fazia tricô. Seus cabelos eram grisalhos e macios, e seus olhos de um mel desbotado. Nunca pensei que sentiria tanta saudade de vê-la sentada enquanto andava de bicicleta pelo quarteirão com katte, minha melhor amiga.- lembro bem como a conheci, ela entregava jornais pela vizinhança de bicicleta nas quartas-feiras, e em uma dessas quartas, eu decidi andar de bicicleta pelo quarteirão. Eu não podia ir muito longe, então só andava em círculos. Eu não tinha a visto, e ela também não me viu, ela estava jogando um jornal no quintal da casa vizinha e quando olhou para a estrada deu de frente comigo. Minha avó correu para nos acudir. No outro dia eu a vi de novo, mas não era dia de entregar jornais. Achei muito estranho, mas continuei dando voltas na minha bicicleta. Ela parou a bicicleta e olhou para mim enquanto mexia no bolso da jaqueta, eu fiquei parada à olhando. Ela me deu um chocolate. Um chocolate que eu nunca tinha comido na vida, e era incrivelmente saboroso. Depois disso ela prometeu me trazer mais alguns chocolates desses como um pedido de desculpas. E como de costume, minha avó estava sentada na varanda tricotando. Ela assistiu o que estava acontecendo com uma cara não muito agradável. Eu e Katte ficamos dando voltas em nossas bicicletas, era a primeira vez que algo assim acontecia comigo. Eu estava muito alegre por ter feito uma amiga. Minha avó havia chamado katte, as duas ficaram conversando, mas não consegui ouvir nada. Pareciam sérias. Katte ficou um pouco estranha depois da conversa, até cheguei a perguntar sobre o que haviam conversado. Katte disse que era sobre o acidente que tivemos aquele dia. Mas nunca me contentei com aquela resposta. Tinha mais. Mas katte não queria me contar.

        Apesar de já terem se passado 3 anos, lembro-me claramente de como tudo começou, de quando meus avós morreram e meus pais tentaram me matar. O que aconteceu chegou a passar em jornais e em televisões, o que levou as pessoas a saberem da minha existência. Lembro-me de por muito tempo ter sido rotulada como satanista, e de ter sido culpada pela morte da minha avó, não tinham provas de nada, até mesmo porque eu não fiz aquilo, nunca teria coragem de machucar alguém, muito menos alguém que amo. - quando questionavam sobre sua morte, dizia que ela estava muito doente, sei que é feio mentir, mas dizer isso soaria mais verdadeiro do que a própria verdade -. Tive muita dificuldade em seguir em frente. Em deixar tudo para trás e recomeçar, os comentários das pessoas e os olhares das mesmas me deixavam aflita, eu não dormia para não ter que sonhar e reviver fatos daquele tempo.

   Como nunca tive pai e mãe, nunca senti falta de um. Sempre pude contar com minha avó para o que precisasse, ela sempre esteve lá por mim. Mas com Thomas não era assim, ele sentia que faltava algo na vida dele, e na minha também, mas não sabia dizer bem o que era, apenas sentia o vazio que tudo aquilo causava. Ele se sentia culpado. As vezes parecia indignado pelo fato de eu não sentir o mesmo que ele sentia, aquilo que o corroía tanto por dentro, quanto por fora.

Meu nome é Megan Walter, e essa é a história de como eu morri.

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