Thomas Walter

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    Estou dentro do carro de Thomas, ele me leva para a aula particular toda semana, sempre foi assim. Muitas vezes já perguntei o porque de não ir à escola como as outras crianças do bairro, me diziam que eu era diferente deles, que eu aprenderia melhor, mas nada entrava na minha cabeça e eu implorava para ir à escola, me sentia inferior as outras crianças por não ir, eles viviam contando de coisas que faziam lá, e eu sequer havia entrado em uma escola de verdade. As vezes chorava, gritava, recusava sair de casa, mas nada funcionou, e eu, assim como Thomas, passo a vida toda tendo aula particular com uma senhora que vive isolada numa casa á alguns quarteirões.
       Ir à aula particular me priva de muitas coisas. Essas coisas que adolescentes fazem, principalmente numa cidade grande. Eu não tenho muitos amigos como a maioria, apenas katte. Lembro bem como a conheci, ela entregava jornais pela vizinhança de bicicleta nas quartas-feiras, e em uma dessas quartas, eu decidi andar de bicicleta pelo quarteirão -eu não podia ir muito longe, então só andava em círculos- eu não a vi chegando, e ela também não me viu, ela estava jogando o jornal no quintal da casa vizinha e quando olhou para a estrada deu de frente comigo. Minha avó correu para nos acudir. No outro dia eu a vi de novo, mas não era dia de entregar jornais. Achei muito estranho, mas continuei dando voltas na minha bicicleta. Ela parou a bicicleta e olhou para mim enquanto mexia no bolso da jaqueta, eu fiquei parada à olhando. Ela me deu um chocolate. Um chocolate que eu nunca tinha comido na vida, e era incrivelmente saboroso. Depois disso ela prometeu me trazer mais alguns chocolates desses como um pedido de desculpas.

     Katte costumava me contar como era estudar em uma escola grande com outros adolescentes, falava sobre bailes, a comida, as brigas, as patricinhas de nariz empinado e os brutamontes; eu à questionava até sobre a pintura das paredes dos corredores enormes que ela me descreveu uma vez. Sim, era escondido, a minha avó já havia conversado com Katte antes de nos tornamos amigas, e demoraram alguns anos até que eu pudesse ir a casa dela. Depois ela me contou que a minha avó havia dado alguns concelhos a ela e imposto algumas regras, mas não quis me dizer quais eram e nem o porquê daquilo.

      Thomas costuma ser estranho, e já o vi fumar ou beber algumas vezes. Nossa avó não gosta muito disso, mas não conto para ela, eles já passam muito tempo brigando em casa pelo fato de Thomas querer sair da cidade, minha avó não vai permitir que ele faça isso, eu confesso que não entendo o porquê de não podermos sair de casa, não podemos ir à escola, sequer temos vizinhos! Qual o problema de conviver com a sociedade? Somos humanos.
     Volto à mim quando Thomas liga o rádio, ele canta baixo, e faz um som estranho no solo do guitarrista da banda que está passando. Seus cabelos ruivos estão despenteados, acho mais bonito assim. Olhando para ele, me lembro do que Katte me disse uma vez quase que sem querer, estávamos deitadas na varanda do seu quarto quando contei a ela sobre as brigas que ocorriam em casa, e o quão eu me sentia angustiada com aquilo. Ela me perguntou se eu não achava Thomas estranho, eu não entendi bem onde ela queria chegar, nem o porquê de achá-lo estranho. Ela me disse que o acha fechado demais, que sempre que ela sorri ele desvia o olhar quase que no mesmo instante. Que ele parece amargurado com algo. "Eu não sei, apenas o acho estranho". Pensei em puxar assunto com ele sobre isso. E mesmo insegura das respostas que ele daria, eu resolvi perguntar.

- Thomas.

Ele diminui o volume do rádio e olha para mim esperando que eu continue.

- É... Você tá legal? - tentei encontrar as melhores palavras, mas tudo o que me saiu foram palavras toscas e clichês.

Ele me olha estranho - Eu to legal, viu a minha roupa? Ela é bem legal, não acha? E eu sou ruivo, ruivos são legais e bonitos. - ele solta um leve sorriso.

- Você é tããão engraçado Thomas.- digo em um tom sarcástico.- Mas não foi isso o que quis perguntar, se é que me entende.

Ele fica mais sério.- Por que resolveu perguntar isto agora? -Seus olhos estão fixados na estrada.

- Você e a vovó andam brigando bastante e eu... - suspiro- É confuso, eu não sei ao certo se concordo ou não com a sua idéia de ir embora da cidade.

- Você não precisa fazer isso Megan. Ela te pediu?- Ele continua com os olhos vidrados na estrada.

- Fazer o quê?- O olho com curiosidade.

- Tentar me convencer a desistir disso. De qualquer jeito, seria em vão. Eu realmente não me vejo mais aqui. - Ele suspira - Sinto um desconforto. Como se faltasse algo. Uma angústia terrível e eu sequer sei o motivo. Eu preciso descobrir o que é, preciso dormir em paz. Eu não quero deixar vocês. Sempre coloquei minha família em primeiro lugar, mas eu preciso de mim também.- Agora há lágrimas em seus olhos, parecem disputar entre sí para ver quem vai cair primeiro.

    Não consigo dizer nada. Thomas não era estranho, ele estava conturbado com algo que não entendia o que era. Não consigo imaginar o quão isso deve ser terrível. Sinto meus olhos ficarem úmidos.

- Eu...- Tendo dizer algo, como resposta, mas nada sai. Olho para os meus pés. Eu estava em choque.
  
   Thomas não consegue segurar as lágrimas. Todas caem ao mesmo tempo e escorrem sobre suas bochechas. Ele as enxuga com a manga do casaco desesperadamente, não quer que eu o veja daquele jeito. Mas elas voltam a cair. Ele encosta o carro na estrada e sai atravessando a rua. Há árvores por todos os lados. O vejo mexer no bolso direito da calça rasgada, tira de lá um esqueiro e um maço de cigarros. O acende e fica ali, tentando colocar os pensamentos em ordem.
       Volto a olhar meus pés. Não consigo descrever o que estava sentindo naquele momento, só sei que era horrível.
       Olho as horas, faltam 10 minutos para a hora marcada da aula. Saio do carro e caminho até o meio fio. Um vento muito forte está soprando. O céu esta nublado, parece que vai cair uma tempestade a qualquer momento. Thomas está parado. Olhando aquele monte de árvores enquanto fuma um cigarro.

-Thomas...- O chamo delicadamente.- Nós precisamos ir.
   Ele joga o cigarro no chão disfarçadamente enquanto se vira para me encarar.

-Certo. - Dirige a mim um leve sorriso, e segue em direção ao carro. Dou meia volta e o sigo.
         Seguimos todo o trajeto quietos. Thomas mascava uma bala de canela, muito provavelmente para disfarçar o cheiro de cigarro. O som se encontrava novamente ligado. Mas, dessa vez,  Thomas não estava cantando.
      

Chegamos. Tanto tempo vindo aqui e essa casa continua me dando arrepios. A pintura precisa ser retocada, a grama do quintal parece invadir a entrada da casa.

Penso se deveria ter feito algo, ter dito qualquer coisa para que ele se sentisse melhor. Mas eu não disse nada... Não consegui dizer...

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⏰ Última atualização: Dec 17, 2018 ⏰

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