Prólogo- O Começo De Uma Nova Vida

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16 de Novembro de 2050

O frio cortante do inverno fazia-se sentir com uma brutalidade implacável. A escassez de mantimentos já nos castigava há demasiado tempo, mas agora, o vento gélido parecia querer esculpir-nos os ossos, tornando tudo ainda mais cruel. Tentava ignorar o desconforto, mas não conseguia afastar a preocupação constante pelo meu irmão mais novo. Ele dependia de mim.

Imagino a tua hesitação, leitor. Talvez esta realidade te pareça distante, surreal até. Afinal, ainda não te contei como tudo começou. Espera… porque a minha história está prestes a revelar o colapso que nos trouxe até aqui.

À quase dois anos atrás, por esta altura, eu e o meu pai preparávamos a festa de aniversário do meu irmão, e, como sempre, queríamos que fosse um dia especial. Mas a normalidade daquela rotina desfez-se num piscar de olhos.

Os noticiários começaram a falar de um surto mortal. Um vírus. No início, parecia apenas mais uma notícia sensacionalista, mas a tensão espalhava-se como fogo em erva seca. Diziam que a doença pairava invisível no ar, à espera de um simples contacto para se ativar.

O que tornava aquilo ainda mais aterrador era a sua peculiaridade, o vírus não fazia efeito imediato, só se manifestava se a vítima fosse arranhada ou mordida por alguém já infetado.

E, quando isso acontecia… bom, as consequências eram indescritíveis. Os infetados perdiam qualquer vestígio de humanidade. Tornavam-se criaturas violentas, irracionais, consumidas por um desejo primitivo de atacar.

Era difícil de acreditar. Como podiam as pessoas transformar-se em monstros com um simples toque? Seria mais um esquema governamental para nos manter sob controlo?

Mal poderia eu imaginar o que nos esperava.

Os meses passaram e, aos poucos, o pânico desvaneceu. O tal "vírus canibal", como o apelidávamos na aldeia, parecia ter sido esquecido. Os jornais silenciaram-se, os rumores dissiparam-se. O mundo seguiu em frente.

Mas algo dentro de mim dizia que aquilo não tinha acabado.

Conheces aquela sensação de frio no estômago? O arrepio na espinha? Aquela inquietação inexplicável que se instala como uma sombra? Pois bem, foi exatamente isso que senti.

As falhas de eletricidade eram comuns, mas desta vez, a luz não voltava. O tempo passava, e o silêncio era a única resposta.

Algo grave estava a acontecer.
Será que apenas tínhamos sido esquecidos… ou havia algo muito pior à espreita?

Mal sabia eu que a origem de todo este caos estava intimamente ligada ao próprio vírus. A falta de informações concretas fez com que, com o tempo, a maioria de nós o relegasse para o esquecimento.

Muitos acreditavam tratar-se apenas de mais um ataque terrorista ou de uma manobra governamental disfarçada, talvez uma resposta às mudanças climáticas ou a qualquer outra crise que assolava os últimos anos.

...

Naquela noite, saí com um amigo para a floresta em busca de lenha. O nosso plano era simples, acender uma grande fogueira no centro da aldeia.
Era uma tradição antiga, um dos costumes mais belos e, sem dúvida, um dos meus preferidos. Ao calor das chamas, todos se reuniam para contar histórias, algumas reais, outras de terror. Algumas faziam-nos gelar até à espinha, outras eram tão absurdas que só nos restava rir.
Mas isso... isso agora pouco importa.

Ao entrarmos na floresta, deparámo-nos com algo que nos paralisou.

No chão, haviam restos humanos. E, entre eles, um pé.

Vozes Entre Ruínas || Volume IOnde histórias criam vida. Descubra agora