Primeiro capítulo - Entenda-me

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Junmeyon não se achava um cara estranho, apesar de ter várias manias. Gostava de beber café sem nenhuma adição de açúcar, pulava os degraus de números ímpares, sempre se sentava perto de janelas para observar o movimento e as pessoas. Via a vida passar pelas janelas, imaginando o que cada pessoa estava fazendo, em sua mente criava histórias diversas para cada rosto, dando-lhes sonhos distantes e vidas tranquilas.

Quando jovem o professor sonhava em ser escritor e talvez por isso cria tanto em sua mente inquieta. Ainda vive perto da literatura, dava aulas sobre. O que ainda é muito distante de criar, mas que aquece o coração daquele que dá movimento a vida rápida e apressada demais das pessoas que não conseguem parar e analisar a beleza de pequenos momentos. E estava tudo bem para Junmyeon, afinal observar a vida e ser grato a ela ainda era um dom e o professor se sentia feliz com ele.

Gostava da tranquilidade que tinha conseguido, tanto quanto gostava de seu prédio por ter grandes janelas onde ele podia observar a vida e dar um brilho a mais a ela em sua mente brincalhona.

A noite quando chegava exausto do trabalho gostava de tomar um banho demorado e cozinhar algo leve para comer enquanto bebia uma taça de vinho. Não gostava de sentar na sua mesa para comer pois se sentia sozinho, então sentava na sua poltrona, perto da janela. Deixava sempre um livro em uma mesinha bem próxima e após comer pegava-o e continuava a leitura, parando vez ou outra para absorver as palavras. Nesses momentos em que se concentrava na sua vida e nos sonhos dos personagens, parava e observa o vai e vem rápido dos carros na rua, o céu distante — gostaria que esse fosse estrelado, mas como vivia em uma grande cidade era difícil ver muitas estrelas graças a poluição visual. Gostava de ver as vidas seguindo seus rumos, geralmente observava casais comendo juntos pelas janelas do prédio a sua frente, bem como crianças brincando com os pais cansados após a rotina exaustiva de trabalho. A única janela que estava sempre escura era a em frente a sua, o apartamento estava vazio desde que os vizinhos que tinham um poodle se mudaram.

Junmyeon sentia-se sozinho com as palavras distantes e seu vinho, mas estava tudo bem se ele continuasse a criar sonhos para os outros, pelo menos ele entendia que sim, estava tudo bem em viver sonhando as vidas alheias quando a sua própria estava mais trancada e parada que os originais que escondia na gaveta da escrivaninha de seu escritório.

A noite era sempre boêmia, cheia de encantos e verdades perdidas. Mas Junmyeon dava sempre sentido as vidas que se perdiam com o cotidiano do dia a dia e isto o fazia feliz, na pequena poltrona com seu vinho e sua mente vagando podia sentir o gosto doce dos sonhos, tão bons quanto o vinho que descia suave pela garganta e queimava vez ou outra. Talvez, os sonhos que tinha para os outros queimassem a sua alma tanto quanto o vinho queimava a garganta, mas estava tudo bem, era apenas um efeito colateral daquilo que fazia-o viver.

Sonhar as vidas que não lhe pertenciam, era como criar sonhos para os personagens que a muito tempo havia deixado naquela pasta escondida dentro de seu notebook ou aquelas que trancava na escrivaninha, com medo de um dia tentar dar vida aqueles que o acompanharam durante toda a adolescência e início da vida adulta.

Junmyeon não podia mais viver do sonho de tornar real aquilo que escrevia loucamente em papéis ou quando teclava frenético no seu notebook em algum café. Já havia passado da época em que dava desculpas para não dar vida aqueles que escondia do mundo. Cansou de mentir sobre seus bloqueios que eram reais, mas que o professor sabia que advinham do medo de não ser bom o suficiente naquilo que amava e dedicava uma parcela considerável de sua vida quando jovem.

As noites sempre passavam dessa forma, com um professor pensando sobre a vida e suas variações enquanto imagina se não poderia fazer nada de diferente para viver como nos livros, para sonhar uma vida apenas sua. Junmeyon nunca foi egoísta, e talvez por isso esquecia de si mesmo enquanto criava cenários e sonhos para as pessoas ao seu redor. O vinho fazia efeito de forma lenta, mas o professor ainda trabalhava no dia seguinte, então deixava o livro na mesinha, com um marca-páginas dentro do livro bem onde havia parado na leitura.

(De)codificandoOnde histórias criam vida. Descubra agora