dois

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“Não são as tragédias que nos matam, são as confusões.”
Dorothy Parker.

Faz meia hora que saí do departamento de polícia de Santa Monica. Estou no estacionamento do colégio Valley Woody a mais vinte minutos, hoje faltei à aula pela manhã, mas não posso faltar ao treino.

Finalmente decido sair do carro, apago meu cigarro, pego a bolsa com meus equipamentos e me dirijo para a entrada. Torço para que nenhum dos garotos me vejam, não quero niguém perguntando sobre o meu depoimento. Vou direto para vestiário feminino, me certifico de que todas as cabines estão vazias, então tiro minhas roupas e visto meu uniforme que é apenas uma camisa polo, uma saia rodada e um shorts por baixo da saia, e claro, o tênis esportivo. Termino de me vestir e fico parada em frente ao espelho, eu emagreci, os ossos da clavícula estão salientes, fecho os dois botões da blusa para esconder.

Isto me faz lembrar da Becky; ela era anoréxica. Tinha acabado de sair de uma clínica semanas antes de desaparecer. Ouço vozes femininas se aproximar, pego a bolsa do chão e entro em uma das cabines.

— ... Está em todos os lugares, minha mãe disse que passou até na TV. —Dizia uma garota.

Outra disse:

— Só assim pra aquela vadia ter fama, agora todos estão lendo aquele blog de merda que ela escrevia.

— Nossa, Roxie, não diz isso, niguém sabe o que aconteceu com a Becky, ela pode estar morta, sabia?

— Ou talvez ela apenas fugiu de casa. — Supôs Roxie. — Ela era louca, vivia tomando remédios pra emagrecer, talvez deu à louca nela e ela foi embora.

— Não sei não, mas vocês viram como a Faith está abalada com tudo isso?

— É claro que ela está abalada, é a irmã dela!

— Ah, garotas, vamos logo! Não quero receber bronca por causa de vocês. — Disse a terceira.

— Eu só estou querendo dizer que a Faith estuda com a gente, deveríamos tentar ajudá-la em algo, dá apoio ou algo assim.

— É isso que você aprende todos os domingo na igreja?

— Ah, cala boca, Jane!

— Vamos logo, meninas. — Ouço quando as três saem. Saio da cabine, só quero sair desse lugar. Caminho até a porta, paro, vou até o espelho e encaro minha imagem.

— Pare de se culpar, você não fez nada. — Digo para meu reflexo. Nem eu acredito nas minhas palavras.

♦♣♦

— Alguma coisa está tirando sua concentração, Allen? — Gritou o treinador Sloan do outro lado da quadra. Era a décima quinta bola que eu havia perdido em vinte minutos de treino, ou era a décima sexta? Não importa, parei de contar na décima.

— Não, senhor! — Respondo ofegante.

— Precisa de um tempo?

— Seria ótimo! — Ele desliga a máquina de bolas automáticas. Me sento no banco, coloco a raquete na bolsa e pego minha garrafa de água.

— Eu sei que está preocupada com a Becky, todos estão, a escola já se mobilizou para ajudar a encontrá-la, os professores prestaram depoimentos e alguns colegas próximos, inclusive você, também prestaram depoimento, logo a polícia vai encontrar ela. — Disse o Sr. Sloan.

— Onde quer chegar com isso? — Cortei ele.

— Quero dizer que o torneio escolar está se aproximando, preciso saber se está 100% para dar tempo pra colocar outra tenista em seu lugar — Disse ele. Droga! Eu havia esquecido completamente do torneio.

— Eu estou ótima! — Digo apressada. — Estou 100%, treinador Sloan, eu juro.

— Eu não acredito em você, Charlie. — Diz com um tom de decepção. — Nessas duas semanas desde o desaparecimento da Rebecca você está meio distraída, tenho que ter certeza que você está preparada psicologicamente para esse torneio.

— Mas eu estou preparada! — Digo. — Por favor, não desista de mim!

— Eu nunca desisto de nenhum atleta meu. — Disse pensativo, depois levantou a cabeça e olhou para o céu. — Quer saber? Levanta daí, vamos treinar, você tem um torneio pra ganhar em duas semanas.

♠♦♠

Depois do treino fui direto para o chuveiro, coloquei a água na temperatura mais quente que consegui suportar e fechei os olhos deixando a água levar pelo ralo todas as impurezas do meu corpo, embora isso seja impossível. A cada dia passo a odiar mais ainda meu corpo e a pessoa que me tornei.

NÃO! — Ouço a voz desesperada gritando no meu subconsciente. NÃO! PAREM! PAREM COM ISSO! — É a voz da Becky, não sei se é uma ilusão ou uma lembrança. CHARLIE! CHARLIE NÃO DEIXA ELES FAZEREM ISSO! CHARLIE, POR FAVOR! CHARLIE!

— Oh, meu Deus, Charlie! Este é o vestiário masculino! — Abro os olhos e olho para trás, Paul Lynch está de costas para mim.

— A água daqui é mais quente. — Digo.

— Você poderia tomar banho vestida? — Ele está mais nervoso que o normal. Desligo o chuveiro e caminho até ele. Toco em seu ombro, ele estremesse, mas não se vira pra mim olhar. Acho isso fofo.

— Pega aquela toalha pra mim. — Rapidamente ele me entrega a toalha, mais uma vez sem me olhar.

— Já está coberta? — Pergunta ele.

— Estou. — Respondo. — Por quê a nudez te incomoda tanto, Lynch? — Pergunto enquanto seco o cabelo com outra toalha. — Nunca viu uma mulher nua?

— Sim, sim, claro que já vi... É que...

— Onde estão os outros? — Eu o interrompo.

— An..., Nico e Nathan foram procurar o Brandon, e o Seth está me esperando no carro pra irmos também. — Disse Paul.

— Procurar o Brandon? Por quê estão procurando ele? Aconteceu alguma coisa?

— Você não viu a mensagem que Nico mandou para o grupo? — Eu balanço a cabeça, negando. — Brandon sumiu desde ontem quando foi dá depoimento para aquela detetive.

— Mas que droga! Acham que ele falou algo que não deveria?

— Não sabemos de nada. — O celular do Paul apita, ele abre a mensagem. — É o Seth me apressando, você vem com a gente?

— Claro, só vou me trocar.

♦♠♦

— Fazem alguma idéia de onde procurar ele? — Pergunta Paul do banco do passageiro, ele olha para o Seth mas ele não responde, como sempre, depois se vira pra mim.

— Charlie? Alguma sugestão? — Eu me inclino para frente e fico entre os banco do Seth e o do Paul.

— Lembram daquela casa da árvore que a gente ia quando criança? Às vezes o Brandon vai pra lá desenhar. — Digo.

— Não, esse foi o primeiro lugar que o Nico e o Nathan procuraram. — Disse Paul.

— E o píer? — Sugiro.

— Não... — Todos ficamos em silêncio, Seth tamboriza os dedos no volante do carro, impaciente. Então me vem a cabeça uma ideia, me encosto no banco.

— Pessoal? — Paul se vira no banco, Seth me encara pelo retrovisor. — Brandon sumiu ontem após ir prestar depoimento, certo? E se ele tiver ido para a casa de campo do Seth? E se ele tiver voltado pra onde tudo isso começou?

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