“Os animais de sangue frio são os únicos que têm veneno”
— Arthur Schopenhauer.— Foi uma péssima idéia nós virmos aqui. — Diz Paul abraçando os braços e olhando para a mansão. — Vamos esperar pelo Nico e o Nathan?
— Vai demorar pelo menos uma hora pra eles chegarem aqui e está quase anoitecendo. — Digo, olho para Seth, ele está de braços cruzados encostado no carro, ele olha para a piscina, eu até consigo imaginar quantas lembranças passam pela cabeça dele, afinal essa é a casa onde ele cresceu com os pais. — Ele tem as chaves daqui? — Pergunto eu.
— Esqueceu a passagem secreta? — Diz Seth.
— Ah, cara! — Murmura Paul. — Fala sério que o Brandon está nos fazendo passar por isso.
— Então vamos lá, rapazes. — Eu caminho na frente e sigo por uma trilha que fica do lado esquerdo da casa, seguida por Paul e Seth. Caminhamos por entre os arbustos até chegar do outro da casa onde fica uma entrada para o porão. Quando crianças, nós chamávamos de passagem secreta porque niguém sabia que esse alçapão existia, nem mesmo os pais do Seth.
— Acham mesmo que o Bran está aqui? — Pergunta Paul, atrás de mim.
— Não faço idéia. — Finalmente chegamos na parte detrás da casa onde fica o porão, o alçapão está coberto por galhos e folhas secas, isto indicava que o Brandon não esteve aqui. Levanto o olhar para parede e o que vejo me choca.
— Puta merda! — Se assusta Paul Lynch. — Isso é sangue?
Fico paralisada, sinto uma pontada de pânico, quero poder sair daqui mas meus pés estão fincados no chão como raízes. Na minha frente a frase Como matar o que já está morto? se destaca com um vermelho vívido na parede.
— Não é sangue. É... tinta? — Responde Seth tocando a parede com as pontas dos dedos. — E ainda está fresca, foi recente.
— Vamos sair logo daqui. — Digo, sinto o pânico subindo pela garganta, sinto medo, não qualquer medo, é algo palpável, visceral.
— Tenho que tirar uma foto. — Disse Paul.
— Droga, Lynch, vamos logo!
Quando entramos novamente no carro, já estava escuro, dessa vez eu sento no banco do passageiro, Paul está digitando no celular, Seth está dirigindo em silêncio. Todos estamos evitando conversar sobre o óbvio.
— Quem fez aquilo, afinal? — Paul se inclina no banco e quebra o silêncio. Seu celular apita, ele ler a mensagem e franze o cenho. — Mas que po...
— O que foi? — Pergunto, aflita, eu espero pelo pior.
— É o Nathan... Ele disse que eles acharam o Brandon. Ele viajou para o Chile com as mães dele, acabou de chegar na cidade.
— Ué, se não foi o Brandon que escreveu aquilo, quem foi? — Internamente eu tinha a esperança de ter sido ele. — Seth? Seth quem escreveu aquilo? — Estou entrando em pânico novamente. Observo Seth abrir o porta luvas e pegar o frasco de Xanax, ele coloca um comprimido entre os dentes, seus olhos estão focados na estrada, e isso me irrita ao extremo. Como ele consegue ficar tão calmo quando tem alguém escrevendo coisas macabras e suspostamente ameaçadora pra nós?
— Porra, Seth fala alguma coisa, não é hora de se fazer de mudo! — Grito, só assim consigo sua atenção.
— O que você quer que eu faça?
— Quero que me digam o que aconteceu naquela noite. Quero que digam o que vocês fizeram com a Becky! — Vejo quando Seth troca um discreto olhar com Paul pelo retrovisor.
— Charlie, você não lembra de nada mesmo? — Pergunta Paul quase sussurrando.
— Não! As lembranças vêm em fragmentos. Eu só sei que a Becky estava no porão, eu sei que ela sumiu naquela noite. — Meus olhos enchem de lágrimas, abraço meus braços e encosto a cabeça no banco. — Às vezes não consigo nem dormir por que quando fecho os olhos eu posso ouvir a voz dela e ela está me implorando por ajuda. Eu não sei o que aconteceu com ela, mas foi algo ruim, cruel...
Colina Hawking 04 de outubro
01:10 am
Acordo meio zonza. Minha boca está seca, meu cabelo está grudado no suor do pescoço. Estou apenas de calcinha, levanto a cabeça e o porão gira ao meu redor. Nathan está apagado no chão ao lado de uma garrafa vazia de rum, Paul ainda está dormindo no sofá. Pego a camisa do Brandon do chão e a visto. Não sei onde os outros estão. Caminho a lentos para não tropeçar em nada, a pouca luz do local não ajuda muito. Subo as escadas do porão sem muita dificuldade, apesar da escuridão total eu já estou familiarizada com essa casa.
Abro a geladeira, não tem água, somente cerveja e outras bebidas de variados tipos, então bebo água direto da pia. Caminho pela casa, vejo algumas fotos de Seth e seus pais; pego uma foto que está nós seis vestidos com o uniforme do time de lacrosse. Uma foto em especial chama minha atenção, pego o porta retrato e seguro mais próximo ao rosto. Na foto, a família Hawking está na praia, o Seth está com os olhos semicerrados por causa do sol e com um enorme sorriso no rosto, não me lembro da última vez que o vi sorrir, o Sr. Hawking está segurando uma prancha de surfe com uma mão e a outra está no ombro do filho, a tia Laura tem um sorriso radiante no rosto, mas o que me chama mesmo atenção e a barriga dela.
— Ela estava grávida. — Diz uma voz atrás de mim. Eu me assusto e deixo o porta retrato cair no chão.
— Meu Deus, Seth! Você me assustou... — Me abaixo pra pegar a foto no ato acabo cortando meu dedo no vidro quebrado. — Droga!
Seth se serve de um copo de whisky.
— Porquê você nunca nos contou que sua mãe estava grávida? — Pergunto, ele dá de ombros.
— Que diferença fazia? Duas semanas depois dessa foto ela estava morta mesmo. — Diz indiferente, ele olha pra foto depois pra minha mão. — Você está sangrando.
— Eu sei. — Olho para o corte no meu dedo, Seth também observa as gotas escarlate pingarem no assoalho.
Então, de repente algo me ocorre.
— Seth, depois do acidente você passou meses sem falar uma palavra — Digo e o encaro, minha cabeça está formando uma grande parábola, como deixei isso passar? — Depois que você saiu do coma, eu te visitava todos os dias mas você não conversava comigo. Você apenas encarava a janela do quarto de hospital. Mas, um dia, depois de duas horas de silêncio gritante, você disse: “Eu os matei” — Eu encaro esperando uma resposta, seu semblante continua sem expressão, seus olhos estudam meu rosto, ele é frio como um iceberg. — O que você quis dizer com isso? - Ele toma um gole do whisky e continua me encarando. — Seth? Seth, você disse que matou os seus pais? — Eu passo a mão no rosto, não sei porque depois de sete anos lembrei disso. Quando eu ouvi a voz dele fiquei tão eufórica por ele ter falado que esqueci o que aquelas palavras significavam.
— Charlie, eu não disse nada disso. Que tipo de droga você está usando? — Disse ele, com sorriso de lado. Eu me aproximo e coloco a mão no ombro dele.
— Seth, tudo bem... — Digo olhando em seus olhos. — Eu te entendo, — Eu o abraço e sussurro em seu ouvido: — Esse é o nosso pequeno segredo.

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Secrets And Lies
Mystery / ThrillerSeis amigos. Um segredo. Um amontoado de mentiras. Após o misterioso desaparecimento de Becky McLaren, a vida de Charlie Allen muda do avesso, ela tenta se inutilmente lembrar o aconteceu na Colina Hawking, mas é em vão. A única coisa que ela tem c...