- Que horror! Que horror! - gemeu Lasaralina. - Estou apavorada, querida. Estou tremendo da cabeça aos pés. Veja só.
- Vamos - disse Aravis, que também tremia. - Já foram para o palácio novo. Estaremos salvas lá fora. Como demoraram! Leve-me logo para a porta da muralha, depressa.
- Mas você tem coragem, querida? Olhe o meu estado de nervos! Não, por favor: vamos descansar um pouco e voltar para casa. No momento, nem consigo dar um passo. Que nervosismo, querida! Quero voltar para casa.
-Voltar?!
- Você não entende, não é? Você é tão pouco compreensiva! - falou a amiga, começando a chorar.
"Não é hora para compaixão", pensou Aravis.
- Olhe uma coisa! - e deu umas boas sacudidelas em Lasaralina. - Se disser outra vez a palavra voltar, e se não me levar imediatamente para a porta do rio... sabe o que vou fazer? Vou lá fora e dou um berro... e pegam a gente.
- E nós duas então iremos mo... morrer! Você não acabou de ouvir o que disse o Tisroc - que ele viva para sempre!
- Ouvi, mas prefiro morrer a me casar com Achosta. Logo, em frente!
- Você está sendo má, Aravis. Veja só o meu estado de nervos.
Mas Lasaralina acabou entregando os pontos. Voltaram, seguiram por um comprido corredor e chegaram por fim ao ar livre.
Estavam agora no jardim do palácio com aqueles terraços em tabuleiros, cercados pelas muralhas da cidade. A lua brilhava. Uma desvantagem das aventuras é esta: quando chegamos aos lugares mais belos, estamos em geral tão aflitos e apressados que não somos capazes de apreciá-los. Por isso Aravis (apesar de lembrar-se anos depois) teve apenas uma vaga impressão de relvados cinzentos, fontes murmurantes, sombras esguias de ciprestes.
Quando chegaram ao fim da rampa, e a muralha lhes barrou o caminho, Lasaralina tremia tanto que não foi capaz de abrir o portão. Aravis passou à frente e o fez. Lá estava o rio, espelhando o luar, com um pequeno cais de amarração e simpáticas canoas.
- Adeus - disse Aravis - e muito obrigada. Perdoe se fiz jogo sujo, mas pense um pouquinho de quem estou escapando.
- Querida, não quer desistir? Agora já viu que Achosta é um grande homem!
- Grande homem! Um escravo repugnante e rastejante que a chutes no traseiro responde com lisonjas, mas vai guardando tudo, e acaba levando o Tisroc a aceitar um plano que causará a morte do próprio filho!
- Aravis! Aravis! Como você pode dizer uma coisa destas? E sobre o Tisroc - que ele viva para sempre! - também! Se ele fez aquilo, é porque está certo!
- Adeus e... achei lindos os seus vestidos. E sua casa também é linda. E você vai ter uma vida linda... Só que não é a minha vida. Feche a porta devagar.
Escapou dos ternos beijos da amiga, pulou para dentro de uma canoa e daí a pouco estava em pleno rio, com duas luas, uma no céu, outra no fundo das águas. Como era boa a brisa!
Quando se aproximava da outra margem ouviu o pio de uma coruja. "Muito mais agradável!" Vivera sempre no campo e detestara todos os minutos passados em Tashbaan.
Ao pisar em terra, viu-se cercada pela escuridão, pois a elevação do terreno e as árvores impediam a passagem do luar. Mesmo assim conseguiu descobrir o caminho trilhado por Shasta, divisando por fim os túmulos escuros. E, por mais valente que fosse nesse momento, o seu coração estremeceu. E se os outros não estivessem lá? E se, no lugar deles, estivessem os morcegos? Mas ergueu a cabeça e caminhou firme para os túmulos.
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O Cavalo e o seu menino | As Crônicas de Nárnia III (1954)
FantasyObra do inglês C.S. Lewis.