1. Como Começou

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Linda do jeito que é
Da cabeça ao pé
Do jeitinho que for

São seis horas e já estou atrasada, minha avó não se sente bem e com isso vou entregar as hortaliças atrasada, essa teimosa não quer ir ao médico, mas já liguei pro meu melhor amigo e vizinho que tem uma caminhonete e ele está vindo nos buscar, ela vai comigo até a cidade e enquanto ele entrega as hortaliças em meu lugar, vou com ela até o médico.

Meus pais eram felizes até antes da minha mãe engravidar uma segunda vez, quando ela completou 3 meses já sabíamos que era um menino, a parteira da cidade quem falou, então passamos a chamar o bebê de Pedro, eu tinha 10 anos quando tudo isso aconteceu, e numa consulta ao médico na cidade eu fui com ela e meu pai, ele nos deixou na clínica e saiu sem dizer onde iria. Depois encontramos a minha avó num barzinho que vende comida e minha mãe foi atrás do meu pai não sei onde, foi a última vez que eu vi ela sorrindo, antes de sair ela me falou o quanto me amava, que o Pedro seria o complemento que faltava e que nunca me deixaria sozinha. Mas ela não voltou, não como antes, quando encontrou meu pai não sei onde ele estava com outra mulher, mamãe me disse que aos beijos em uma situação constrangedora e que quando eu fosse aduta entenderia. Ela estava de volta à clínica e toda machucada, pois logo ao sair do lugar onde encontrou meu pai com outra ela foi atropelada por algum delinquente, foi o que a polícia disse. Dias depois ela morreu e meu irmãozinho ja não existia quando ela se foi.

Meu pai se casou anos depois com uma mulher insuportável e é por causa dela que não o vejo mais, ela quis morar na cidade grande e não num sítio fedido como ela mesma disse. Então eu fiquei com meus avós. Meu avô morreu de desgosto, foi o que me disseram, eu tinha 13 anos quando ele nos deixou, desde então somos eu e minha avó contra o mundo como ela diz. Não mudaria a minha vida por nada, a não ser que isso pudesse trazer a minha mãe de volta, ela era a minha maior inspiração, nunca vi alguém ser tão feliz com algo tão simples como ela era, desde que ela se foi, eu uso a única jóia que meu pai não deu pra outra mulher dele, um cordão simples em ouro, meio rosa com a letra A como pingente era do nome dela Agnes.

Desde os meus 13 anos eu ajudo com as coisas que produzimos para vender, apesar de saber dirigir desde os 10, não posso ir até a cidade na caminhonete porque não tenho habilitação, eu moro em uma região de fazendas quase na fronteira com a Colômbia, meu pai se mudou pra capital do estado e quase não vem aqui. Meu único amigo é gay, bom é o que eu acho, não me dou bem com as garotas da região, elas são falsas e mentirosas, minha avó sempre me disse que mentira tem perna curta e é por isso que eu não sou boa nisso, fui bem educada, e não penso em ser diferente. Acabei de completar 16 anos e vou pra faculdade no ano que vem, ainda não decidi o que vou fazer, tenho um ano inteiro para escolher, meu pai até disse que se eu não entrar em uma pública ele faz um esforço de pagar uma particular, como se não fosse obrigação dele me ajudar nos estudos. Mas não quero, desde que minha mãe se foi, ele quase não lembra que eu ou a própria mãe existam. Quem quer algo que venha de uma pessoa assim? Eu não quero.

João é filho do dono da maior Fazenda da região e meu único amigo verdadeiro, ele tem 18 anos e pode dirigir até a cidade, ele é aquele tipão sabe? Mas para mim ele é um irmão mais velho e ele me chama de caçula, como se eu fosse da família dele, os pais dele sempre me ajudaram com meus estudos, e como a escola é longe, eles sempre me levaram de carro nos dias de chuva, nos de sol, eu, João e o irmão dele Ruan vamos à cavalo. Meio louco eu sei, mas divertido.

- Vamos caçula, já ajeitei as coisas na carroceria, abuela ja está no carro, não deve ser nada grave, talvez apenas pressão alta, mas não podemos dar mole com ela, turrona como é.

Entrei no carro e seguimos até o centro, todos os sábados eu entrego hortaliças para nossos clientes fiéis, hoje vivemos disso, mas não tenho do que reclamar, a renda é boa, a mão de obra é barata porque eu dou conta da plantação, cuido todos os dias e só preciso de ajuda quando é para colher batatas ou cenouras, o serviço é um pouco mais pesado pra uma garota, e é aí que os meus visinhos entram com a ajuda, eles mandam alguns funcionários para me ajudar a colher, ensacar e levar até a cidade. Dizem que carregar o sítio nas costas já é muito peso para uma menina como eu. Não reclamo, eles de certa forma estão certos, depois que meu avô nos deixou, minha avó passou a ter problemas de saúde e as vezes ela não consegue fazer muita coisa.

Corpo Fechado (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora