Capítulo 1

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Se alguém perguntasse a Carla do que ela mais sentia falta nos anos 80, com certeza não seria das sessões vespertinas de cinema, assistindo aos filmes água com açúcar de Molly Ringwald. Nem do relógio Champion que trocava as pulseiras. Muito menos dos cabelos cortados em camadas, gel new wave, camisetas e vestidos verde limão, rosa choque, abóbora e amarelo fosforescente. O sapato combinando com a roupa, calça baggy e semi baggy, batom 24 horas, mochilas e carteiras emborrachadas, Cubo mágico, Atari, Mobilete, Walkman, ombreiras.

Sempre que pensava nisso, uma nostalgia indescritível a fazia pensar:

"O que realmente perdi, e que ficou lá atrás? Nada. A não ser eu mesma".

E por um breve instante se permitia, quase conseguia estar de volta ao seu antigo quarto, na casa dos pais. As luzes apagadas, o rosto entre as grades da janela do décimo segundo andar para ver melhor as estrelas.

Na época, parecia que só olhando para cima, para o universo e sua vastidão imensa, conseguia se ver inteira.

Era sempre nesse ponto que parava.

E retomava a realidade, sacudindo a cabeça negativamente e rindo de si mesma, antes de afirmar mentalmente, tentando se convencer, ou, talvez, aceitar que "agora o espelhinho que carrego na bolsa é suficiente".

Naquele dia, chegou em casa exatamente às 19 horas, como fazia todo dia. Abriu a caixinha do correio e pegou os envelopes que estavam lá dentro de forma displicente. No elevador, foi separando: "os meus e os dele".

E ali, bem no meio, um sem remetente. Endereçado a ela.

"Provavelmente propaganda..."

Abriu a porta do apartamento e, enquanto pendurava o chaveiro no porta chaves na parede, gritou:

– Cheguei!

Baixo demais. Ninguém respondeu. Colocou a bolsa e as pastas em cima da mesa de jantar e caminhou pelo corredor, os saltos fazendo um

ruído compassado. Bateu na primeira porta. Só a abriu e entrou depois que ouviu o usual e monocórdico:

– Entra.

Vindo de Leonardo, o filho mais velho, como sempre, sentado na frente do computador. Carla aproveitou para passar a mão pelos cabelos curtos, num afago disfarçado – um dos poucos que ele permitia atualmente – sentindo saudade de quando ele ainda era um menininho carinhoso.

Suspirou, pensando no quanto adoraria se ele pedisse:

– Mãe, me empresta o carro?

Mas era apenas um desejo irreal, inspirado nostalgicamente na música de Rita Lee. Quando não estava na faculdade, o garoto só vivia trancado no quarto. Não tinha namorada e os pouquíssimos amigos eram como ele. Carla se preocupava, queria que ele saísse, vivesse.

Ao mesmo tempo, se questionava até que ponto era apenas uma necessidade de enquadrá-lo, não querer que ele fosse diferente. Sofreria menos? Carla não saberia dizer.

Sorriu de novo, voltou a acariciar os cabelos sossegados e o deixou trancado na rotina virtual de sempre.

No quarto em frente, Letícia estava de porta aberta, guardando algumas roupas e objetos na mochila. Carla perguntou:

– Aonde você vai?

Do alto da superioridade que seus 17 anos lhe conferiam, a filha disse:

– Mãe, você esqueceu! Olha só... Eu te disse que ia dormir na casa da Paula hoje, lembra?

O INFINITO EM DUAS VOLTASOnde histórias criam vida. Descubra agora