E ele chama por mim

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Aquela floresta outrora foi um lugar de peregrinação e fé, onde muitos iam dar graças aos objetivos alcançados durante o ano. A capela era viva, respirava, era um lugar de culto, sagrado e místico. Não mais. Agora era, nada além de uma construção em ruínas guardada por um monstro imperfeito. Ele. 

 Único dos seus, último de sua linhagem, esquecido naquele lugar que desabava sem poder partir, e sem ter mais desejo de ficar.

  Ele não tinha escolha, pois esta não lhe pertencia, estava nas mãos de um humano, um humano que tivesse uma alma bondosa o bastante para dar-lhe sua liberdade, um humano iluminado pelas divindades do mundo.

  Não tinha esperanças sobre isso, por mais de décadas não havia mais nenhum deles por perto, o mundo tinha mudado e aquele lugar sagrado foi perdido no esquecimento desse mundo novo. E ele estava preso em seu próprio corpo e naquela terra, sem poder ir para longe, e sem querer ficar.

  Ele era escravo da ruína ao redor e desejoso de uma liberdade impossível. Estava condenado, e nem ao menos podia lamentar. Era um monstro, dos mais antigos e teria que continuar vivendo naquela condição por que sua salvação era um sonho distante nessa era surpreendente.  Suho era uma gárgula, e assim ficaria até o fim do mundo... Por que a única coisa que poderia libertá-lo era um humano puro de coração que chamasse por seu nome, mas quem naquela era conheceria seu nome original?



E ele chama por mim...



  Lay queria esganar seu chefe, simples assim, por que não acreditava que tinha sido enviado para aquele fim de mundo, no coração da floresta velha, só para encontrar aquela tal planta rara que ele buscava como se sua vida dependesse disso.

  Quem foi que disse que teria uma delas ali? Ele não acreditava, nenhum pouco. A tal planta não iria ser tão boazinha e surgir a sua frente para facilitar a sua vida... Não, com certeza seu chefe só queria se ver livre dele naquele natal. Simples assim.

  Todo ano era a mesma coisa, "Lay, seu lerdo, vai para casa, vai comemorar, pare de trabalhar!" Como se ele fosse realmente voltar para seu lar natal algum dia, tinha sido expulso de lá, condenado por sua opção sexual, nunca voltaria. Ele era quem era e não ia mudar por pessoa nenhuma no mundo, jamais. Preferiria viver para o trabalho, por que ao menos nele, ele era respeitado por ser quem era, mesmo que fosse apenas um pesquisador júnior de medicina alternativa. Não importava, no laboratório ele se sentia livre, se sentia realizado e feliz.

  Respirou fundo, arrumou a mochila pesada em suas costas e sorriu tentando incentivar a si mesmo. Ele procuraria por toda aquela montanha, se no fim do dia não achasse, paciência, tiraria algumas fotos provando que esteve ali e voltaria para casa. Simples e prático. Havia um yakisoba gelado lhe esperando na geladeira do seu minúsculo apartamento, seria um pecado desperdiçar.

  "Triphyophyllum Peltatum, se eu te encontrar por um milagre, Kris terá que me pagar uma semana se almoço, assim facilite minha vida e apareça!"

   Pensou rindo de si mesmo, por que claro que ia encontrar um Peltatum dando mole por ali, claro que sim...




  A primeira coisa que denunciou que algo de estranho e atípico acontecia, foram os sons de uma voz doce alcançar seus ouvidos.

  Seu peito, envolto em uma capa grossa de pedra, mas que ainda assim batia lento e vivo debaixo daquele casulo diurno, disparou em frenesi.

  Era um humano. Ele não se lembrava mais da face daqueles seres, nem do cheio, mas se lembrava claramente do som das vozes, e da língua que falavam. Um humano vinha até ele, um humano que falava consigo mesmo em um tom animado.

Chame meu nomeOnde histórias criam vida. Descubra agora