Numa tarde quente de verão, no auge dos meus 13 anos que pareciam 10 graças à uma estatura nada privilegiada, estava eu, sentado na varanda de minha casa, a terceira de uma ladeira não tão alta, apenas admirando as crianças brincando na rua, eu não podia estar lá, minha mãe não deixava, e eu também não era adepto à muitas pessoas perto de mim e a muito barulho, apesar de querer estar lá fora com eles à apena alguns metros antes da minha casa, preferia a companhia do meu velho cubo mágico e sem contar que eu tinha acabado de voltar de uma consulta com o neuro pra diminuir a dosagem dos meus remédios, acredito que eu já estava melhorando.
Na rua em cada grupinho se brincava de uma forma diferente e estavam todos muito entreges as suas atividades e eu parecia estar ali, eu ria com eles a cada queda e me sentia vencedor a cada vitória eu me imaginava ou pulando elástico ou brincando de morto-vivo ou desenhando no asfalto com um pedaço gesso ou quem sabe brincando de estatua.
Quando sem nenhum aviso prévio ou pelo menos algum que eu tenha notado, o céu desabou, foi uma dessas chuvas de verão que são tão imprevisíveis quanto passageiras, pegou a todos de surpresa, só se via crianças correndo em todas as direções para suas respectivas casas, como num ninho de baratas recém descoberto e além do barulho do aguaceiro se ouvia também os gritos de suas mães os invocando pra casa, apesar do torrencial o sol continuava lá, firme e forte, como se desafiase às águas a tentar ofusca-lo.
Quase todos se foram exceto ela, Jade com seus quinze pra dezesseis anos da pele morena feito o bronze, seus cabelos negros e volumosos por conta dos cachos que agora estavam ensopados, iam até as costas, com seus lindo olhos verdes e um sorriso fácil, ao contrário de todos ela não fugiu para casa, uma casa recém alugada pelos seus pais, ficava do outro lado da rua um pouco acima da minha, muito pelo contrário ela parecia estar ainda mais satisfeita, virou o rosto pra cima para receber o beijo da chuva com o sorriso largo de sempre como se agradecesse o banho surpresa.
Foi nesse momento que descobri seu dom especial, o poder de fazer o tempo desacelerar, como por mágica eu parecia poder ver cada gota que tocava sua pele e escorria pelo seu corpo, via também ela abrindo os braços lentamente e rodando como a melhor das dançarinas, ela passando bem devagar as mãos pelo rosto pra tirar o excesso de água. Foi nesse mesmo momento que eu descobri também, eu estava apaixonado.
Quando uma voz ao fundo quebrou todo o feitiço fazendo o tempo voltar correr normalmente, era sua mãe lhe chamando pra entrar, então ela segurou a barra do vestido e correu rindo com sua beleza selvagem de volta pra casa porém quando passou por mim ela acenou num cumprimento simpático e eu respondi com um tímido levantar de mão.
Na semana seguinte Jade se mudou, sua passagem pela minha vida tinha sido rápida como uma chuva de verão.
Quando voltei de meus devaneios ela já estava a um passo de chegar ao meu banco no ônibus, o mesmo que me levaria até minha antiga casa, Jade agora com provavelmente 27 anos, com o mesmo sorriso simpático de sempre disse:
- Oi! a quanto tempo, posso me sentar?
e lhe retribui sorriso e disse.
- Oi, claro.
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Devaneios de um cotidiano
Short StoryA vida de um ponto de vista um pouco diferente