capítulo 2 .

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SOFIA

- Para , para mãe , para , me solta - os soluços já são tão constantes como as lágrimas , até que ela me solta . Ela solta o cinto e volta a fussar o lixo.
- Eu te odeio , a culpa é sua , tudo que está acontecendo é culpa sua .
- Eu não fiz nada mãe , eu só quero que você pare de beber . Eu só não suporto mais ver você se destruindo .
- Para de falar assim comigo como se eu fosse uma alcoolatra , eu não sou, eu não sou  - e no canto imundo da casa com dois copos  quebrados e a lixeira toda revirada em busca de uma maldita garrafa ela se senta e chora - desculpa filha , eu não queria , não queria -Ela já chora tanto quanto eu .
- Tá tudo bem mãe não é você são os remédios e o álcool  - eu estou passando a mão pelas marcas roxas deixadas pelo cinto em minhas pernas porquê está ardendo muito - você precisa de ajuda mãe , quando papai chegar iremos conversar , já não da mais pra continuar assim   -   me levanto e vou pro meu quarto, porque algo em mim tem se partido a cada vez que vejo o sofrimento dela a cada dia se deteriorando um pouco mais , mais e mais .  Temo que não consiga juntar os pedaços se continuar a ver minha mãe naquela situação .
Assim que entro no meu quarto tranco a porta e desejo esquecer  tudo o que está acontecendo . As marcas roxas em meu corpo não são nada além de pequenas picadas de insetos , se comparadas com as marcas que trago comigo . Me sento no chão e encosto na parede .
Observo meu quarto
Não há nada muito importante . Um multi-uso no canto esquerdo me serve de guarda roupa , uma cama pequena coberta por um lençol com listras pretas e cinza um pouco rasgado , um par de tênis aos pés da cama , uma sapatilha e uma sandália havaianas, um  criado mudo com duas gavetas, uma com um cadeado

Prende
Esconde
Guarda

e sobre ele estavam e um kit de maquiagem muito simples e meus livros da escola . As paredes pintadas possivelmente antes do meu nacimento já estão com cores desbotadas do que um dia já foi  verde-água e vermelho, mas ali sinto como se houvesse uma goteira em mim e o balde que contém todo o meu sofrimento está prestes a transboradar , vejo a imensidão de um quarto tão pequeno só que tudo parece opaco , sem vida .

Respiração ofegante
Pânico
Pra muitos "drama"
Respira Sofia
Ah -hur , ah-hur, ah -hur

Tem um porta retrato pendurado na parede , com o vidro quebrado eu papai e mamãe eu não devia ter mais de 2 anos e meus pais sorriam radiantes de frente pra nossa casa atual e imagino que um dia eles foram um casal jovem e apaixonado, contudo acho que isso se perdeu após uma gravidez indesejada, responsabilidades, contas pra pagar , leite , frauda . Ah como eu queria perpertuar-me naquela idade não ter lembranças, lembranças são tudo aquilo que me leva de volta ao passado e contrasta em quem eu me tornei  e aos poucos vou me perdendo em pensamentos ...

***

Tive uma infância difícil , meus pais nunca tiveram um emprego muito estável . Minha mãe era auxiliar de serviços gerais na escola e o meu pai, bem , ele trabalha , trabalhava e  vai trabalhar  em supermercados fazendo de tudo  e já deve ter trabalhado em pelo menos quase todos os supermercados de Dourados aqui no Mato Grosso do Sul . E quando não estava trabalhando, ele bebia , fumava .
Quando iniciei meus estudos no jardim de infância, comecei a ver e a perceber o que as pessoas chamam de "classes sociais". Todas aquelas crianças bem vestidas,as meninas de vestido rosa , lacinho no cabelo , bolsa da barbie , pulserinhas e colares , os meninos por sua vez tinham bolsas do super-man,  Ben 10  ...
E eu ali durante o intervalo sentada no refeitório com tranças no cabelo , usando uma sandália já gasta uma camiseta jeans com furos de traças e um short levando meus cadernos em uma sacola . Ninguém conversava comigo , quase nunca me deixavam brincar  , pois eu era a "filha da merendeira" . Alguns meses depois que eu  comecei  a estudar , uma mãe chegou na escola dizendo que sua filha estava com  piolhos e que só poderia ter pegado na escola .  Então a professora, tia Paula ,  pediu pra que todos fizessemos uma fila pra olhar nossas cabeças. Um a um todos fomos. Então quando me aproximei e a professora começou a olhar meus cabelos ela fez uma careta e disse :
- Aí meu Deus Sofia - então imediatamente ela saiu comigo da sala de aula e me disse pra ficar sentada no refeitório- fique aqui Souf eu vou conversar com a sua mãe .
  Dez minutos pois a minha mãe veio em  disparada e me agarrou pelo braço e começou a me puxar.
- Aí mãe tá doendo me solta -eu já  estava começando a chorar então ela virou e disse quase em sussurro :
-Cala a boca se você não quiser apanhar .
Fomos ao barbeiro e minha mãe disse ao homem que raspasse os meus cabelos. 
Eu não queria , eu  comecei a chorar e o barbeiro também não queria . Então minha mãe disse - ande logo eu não tenho o dia todo. Vamos !
Ela segurou meus braços enquanto eu via minha imagem no espelho . Eu tentava me soltar mas eu não conseguia , pois minha mãe era muito mais forte . Não tendo mais forças apenas chorava enquanto via todos os meus fios de cabelo caírem ao chão.
Quando cheguei em casa tomei um banho , deitei - me e abracei minha boneca e chorei e pedi desculpas a Deus por ser daquele jeito . Por ser feia , por dar trabalho a minha mãe, por ser "daquele jeito".
No dia seguinte tive que ir a aula . Em minha cabeça apenas uma touquinha rosa.

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⏰ Última atualização: Aug 11, 2019 ⏰

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