Chamada de emergência

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Já passava das onze quando Catherine chegou a sua casa na rua mais tradicional da cidade. Tradicional no estilo caixinha de correspondências decoradas, grama verde, vizinhos disponíveis e sempre muito interessados em qualquer possível movimentação.

De inocentes, ela desconfiava, não tinham nada.

Tirou os sapatos de salto assim que fechou a porta e os largou sobre o tapete felpudo que ganhara da mãe. Passou a mão pelas costas eriçadas e carentes de Cristal, a gata vira-lata que encontrara na chuva uns anos atrás. Cristal nunca a deixava só e era a única testemunha do quão desvirtuada Cate podia ser.

Lá fora o mundo rugia em contradição.
Ela era uma profissional renomada, conhecida por ser firme como nenhuma outra e jamais dar brecha a manipulação em qualquer que fosse o conflito de interesses. Era clara e completamente impessoal desde ao chefe até o cliente mais estimado da organização.

Para a família, nunca houvera outra mulher mais comprometida com os laços e de postura mais integra. Os pais contavam com a sua ajuda financeira e apoio emocional, era como que uma mãe para os irmãos. Os vizinhos bisbilhoteiros bem que procuravam algo que fofocar sobre a bela mulher de olhos claros, cabelos ondulados, negros e roupas impecáveis.

Mas nunca havia nada.

Ela era mais esperta que isso.
Todos os dias seguia a mesma rotina: acordava no mesmo horário, comia, fazia sua caminhada matinal e voltava a todo o vapor para seguir o pique no cargo de relações públicas da empresa mais importante da pequena cidade em que vivia.

Agora, terminado o dia, tudo que queria era um pouco de descanso e lembrar a si mesma de que era humana e que todo o consagrado caminho percorrido ainda era apenas um segundo plano para o instinto animal que ela controlava muito bem, mas não de todo.

Tirou a blusa e seguiu para o quarto já tiritando os pequenos dedos no teclado do telefone e checando as mensagens que evitara por todo dia, numa busca por não enlouquecer.

Sara contava como estava sendo trabalhar na empresa nova e que tinha um ou dois planos para o ano seguinte, coisa que a fez estremecer por dentro, num incomodo incompreensível. As outras mensagens eram de conteúdos e noticias interessantes que ela vira aquele dia, terminando com um pequeno traço de irritação por Cate não lhe responder imediatamente e um pedido, quase dolorido, de que lhe desse qualquer noticia o mais rápido possível.
Catherine caiu sobre a cama e pensou que nada na relação delas se encaixava, que não havia nenhuma pretensão de futuro ou qualquer modo de solidificar sobre aqueles alicerces rasos um sentimento real. Eles desmoronariam sobre suas costas uma hora ou outra.

Ainda assim, o nó se adiantou em sua garganta enquanto clicava num só impulso sobre o número de telefone já familiar dela. Dois toques e sua voz ao fundo, rouca e profunda, também já afetada pelo velho desejo que as ligava momentaneamente.
“Cate” e lá se ia naquele tom todo o pessimismo dela. Aconchegou-se a cama e lhe ouviu falar do seu dia. Ouvir um ser humano nunca lhe dera tanto prazer. Respondeu suas perguntas facilmente e esperou pela ultima delas, olhando no relógio e sabendo que não tinha mais tanto tempo disponível no paraíso.

- Quando te vejo? – sorriu.

- Terei uma hora ou duas livres na sexta. – ouviu o estalar de língua de Sara.

- Demora tanto.

- Mas chega. – ela sabia que não havia forma de adiantar o alivio, a não ser...
Fechou os olhos e deixou sair um suspiro dos lábios, ela ia entender.

- O que você quer fazer comigo?

E deixou Sara contar, desenhar o cenário em sua mente. A forma como lhe beijaria a nuca e morderia o ombro do jeito que a fazia arrepiar dos pés a cabeça. Como pretendia lhe despir aos poucos, peça por peça e se roçar nela ainda de roupa, carente como já estava do outro lado.

- Você gosta? – ela perguntava, recebendo pequenos gemidos como resposta enquanto Cate se retorcia na cama, quase virando do avesso dentro dos jeans escuros que ainda vestia.

E então falou de como queria colocá-la sobre aquela mesa já familiar do hotel que sempre iam. Abrir suas pernas lisas e se inclinar sobre o corpo arqueado.

Lambê-la entre as pernas, bem na carne pulsante e lhe sentir os dedos fechados entre os cabelos, o impulso dos músculos querendo se fechar apenas para que Sara pusesse as mãos em seus joelhos e lhe forçasse a se abrir mais.

Adorava o gosto dela.

- E você se lembra, não lembra?

- Não tem como esquecer.  

Sara a queria por tanto tempo e por tanto tempo a esperava, o tesão já estava tão forte e tão pesado que não precisava barganhar muito. Aproveitava-se apenas em pausar o fluxo e recomeçá-lo, ouvindo-a gemer e suspirar, os dedos agora se retorcendo no travesseiro.

Lembrava perfeitamente o semblante em seu rosto.

Nada no mundo lhe tornava mais humana.
Continuou dizendo com todas as palavras indelicadas sobre a saudade que sentia e tudo que queria fazer quando estivessem a sós.

Os gemidos suaves lhe trouxeram de volta a vida real, as duas respiravam com dificuldade num gozo desavergonhado e tão escondido do mundo, solitário e ainda assim compartilhado.

- Preciso te ver, Cate... – ela fechou os olhos e assentiu para si mesma.

- Eu irei até você, meu bem. – havia cansaço em seu suspiro e isso a lembrou de outros pormenores. – Eu prometo que estarei lá, de verdade. Agora preciso ir, tomar banho e... você sabe.

- Tudo bem.

Elas se despediram. Cate se ergueu dos lençóis bagunçados e olhou para o relógio, frustrada. Ao lado estava Cristal, espiando, nada reprovadora. Sorriu e piscou para a gata.

Ouviu a porta da frente bater.

- Cate... – a voz masculina lhe despertou o mesmo amor de todos os dias.

- Estou aqui. - Levantou-se rápido e fez a cama, ouvindo enquanto o marido seguia a própria rotina de jogar as chaves sobre a mesinha, tirar o casaco, desfazer a gravata e vir em direção ao quarto já se livrando da blusa. Viu-o se recostar na parede e olhar com a mesma devoção de sempre para ela.

Um calor constrangido e desejoso lhe subiu as faces.

- Um banho enquanto você me conta como foi o dia?

- Claro que sim.

Ela preferiu não pensar no quão contraditório era nutrir afeto por duas pessoas, também resolveu não pensar em nada que lhe arremetesse a qualquer tipo de sofrimento ou remorso. Era um animal, afinal. O mundo é que nunca soubera.
Mas aquela fera dependia de certas facetas obscuras da vida para se manter sã.

Aquela Fera sempre estivera lá.

Como deviam existir outras tantas no universo.

Entre elasWhere stories live. Discover now