Carta nº 2 - De um Chuuya melancólico

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Yokohama, 3 de Dezembro de 2018.

Osamu Dazai,

Tudo me lembra você. Cada pequena coisa que vejo, cada letra de música que escuto, cada mísera gotícula de chuva que bate na minha janela enquanto escrevo isso me lembra você. Você era meu porto seguro, uma das minhas razões para viver. Sentimental demais, não acha? Tenho quase certeza que sim.

Escrevi a primeira carta sem o intuito real de enviá-la, no entanto realizei tal ato em um momento de desespero da minha alma. As palavras flutuaram por minha mente entre soluços e lágrimas, e tomaram corpo no silêncio da noite mais escura e solitária. E deuses, você me respondeu. Confesso não ter esperado nenhum tipo de reconhecimento, não por você, mas por mim, e por mais que tente argumentar, eu me sinto igualmente culpado por essa bagunça que fizemos.

Te perdôo, Dazai, é claro que te perdôo. Considerando tudo o que significou para mim, seria praticamente impossível não te perdoar, ainda que talvez alguém possa olhar apenas do meu ponto de vista e não te julgar merecedor de perdão. Porém qualquer ser humano que porventura fizesse isso não viveu o que vivi, ou sentiu o que senti. Olhando para trás, sou capaz de te perdoar por qualquer coisa que fizesse, e porque não consigo deixar de ser poético mesmo quando estou bêbado (principalmente quando estou bêbado) quero apenas trazer à tona pontos que considero importante ressaltar. São observações inúteis, na verdade são muito úteis, ou não, mas sim? Nem eu mesmo sei mais...

Não consigo mais nem me embebedar sem lembrar de você, na garrafa de saquê que bebo eu te encontro, em cada gole de vinho e whisky você está lá. O subconsciente dos humanos pode ser bizarro, não concorda? O que pequenas porcentagens de álcool são capazes de fazer com uma pessoa? Me conforta saber que ele apenas nos lembra das memórias mais profundas, que tentamos enterrar sob uma camada de alguma bebida barata qualquer, contudo me assusta notar que as memórias se enterram — menos do que eu gostaria. Perdão pelo excesso de melancolia, mas meu romantismo exagerado, o horário e essas malditas gotas de álcool queimando meu sangue me permitem jorrar metáforas sentimentais aqui. Aliás, onde é que eu estava mesmo?

Ah sim, minhas observações; pois voltemos a elas. Você, Osamu, era como um marcador de texto que destacava o melhor de mim, me inspirava a ser melhor por você, e pelo tempo que tivemos me fez largar antigos vícios em troca de uma melhora. É claro que tentei retribuir o favor, procurando te ajudar em tudo quanto possível, mas sei que não consegui à altura; perdão por isso também. Aliás humildemente peço perdão por ser eu mesmo, sei que meu temperamento irritantemente desastroso e caótico te perturbou algumas muitas vezes. Minhas manias suicidas, porque também as tenho, cegaram minha percepção de mundo e eu não quero viver para sempre, a vida dói mais do que deveria doer.

Eu me odeio e estou entrando em desespero mais ainda ao perceber que fiz o que não devia, ou seja, ser eu e ter estragado com tudo como de praxe e acabo de encontrar outro trecho de música perdido nas minhas coisas — que me lembra você. Não gosto de ser sentimental demais e detesto as noites, são os piores momentos para mergulhar em sentimentalismos mas que culpa tenho se meus dias são frios ao passo que as noites me castigam?

Dias me lembram primaveras, e primaveras me lembram dos pássaros. O rouxinol, pequeno pássaro que costuma anunciar a chegada da primavera com seu canto, era você, Dazai. Meu rouxinol. Aquele cuja melodia acalmava meus sentidos nas noites de insônia, em que eu estava acordado e confuso e desesperado.

O que mais eu posso dizer? Por favor entenda quando digo que te odeio, eu não odeio você ou sua pessoa, sou apenas orgulhoso demais para admitir que odeio a mim mesmo. Sabe disso, que eu não conseguiria te odiar nem se quisesse, não sabe? Eu tenho estado confuso e perdido sem você de uma forma que não entendo, quando os sinais indicam melhoras meu interior piora dez vezes mais. Não compreendo mais nada do que aconteceu na minha vida depois do ponto em que você foi embora, quatro meses de interrogação separam um Chuuya vivo e lúcido de um inconstante e problemático. Não estou te culpando por problemas pessoais e tampouco martirizando minha imagem, apenas sendo franco em relação à minha situação durante esse período escuso que nos afastou bruscamente.

Velha amiga, a insônia tem assolado minhas noites sem piedade, mesmo as mais cansativas e longas noites. Meu companheiro mais fiel é o tremor ininterrupto que toma minhas mãos e juntos geram dores de cabeça constante, vez ou outra trazendo algum pesadelo para me acordar de madrugada. Não sei por que essa descrição, parece um diagnóstico médico que não combina e desviou o foco principal da escrita. Desculpe-me por isso.

Encontro-me nesse exato momento em uma situação que não me permite escrever mais nada coerente e sem ser poético-ultrarromântico, mas necessito encerrar com a dose melancólica que o gosto das minhas lágrimas fez subir à cabeça. Desejo ter tido a chance de enxergar o brilho em seu olhar mais uma vez, de tocar sua mão e entrelaçar nossos dedos, de ao menos ouvir sua voz em um último adeus.

Por Deus Dazai, é obvio que gostaria que você voltasse.

Não estou pedindo para que volte. Sei que não se pode voltar ao passado, ao lugar de onde partiu. Só por favor, e isso peço a você, não me deixe sozinho, perdido nesse emaranhado de fios no qual o destino resolveu nos prender. Por favor, minha sanidade mental se esvai toda noite quando penso em nós, me ajude a manter os pedacinhos que ficam. São problemas pessoais dos quais nenhum te cabe a culpa, eu sei. Mas se puder, por favor me ajude. Não quero me perder na escuridão e muito menos te perder para sempre.

Disse que não poderia ter sido arte, sabe de uma coisa? No fim das contas você era a arte mais bela, Dazai.

Perdido, confuso e sentindo sua falta,

Nakahara Chuuya

I Still Miss YouOnde histórias criam vida. Descubra agora