O Caso 2 em 1

Uma visita inesperada

Me chamo Roniclê! Esta porra é meu nome de batismo.

Porque diabos um casal coloca um nome deste em seu primogênito? Meus pais não tiveram uma segunda change para tentar acertar. Sou filho único. A motivação desta escolha é uma incógita. Suspeito que nem eles tinham uma explicação sana. E nem adianta perguntar, pois já se foram. Na adolescência não tive dúvidas quando troquei RoniCLÊ para RoniMAR. De nada adiantou. Ficou a mesma bosta. Mais tarde, na vida adulta, simplifiquei esta merda toda e passei a aceitar que me chamassem Roni.

Meu sobrenome por parte de pai é Boccoro e por parte de mãe, Montearroyo. Pronto, este é o meu nome: Roni Montearroyo Boccoro.

Não sei a origem destes nomes, muito embora suspeite que Boccoro seja da Itália e Montearroyo, judaica-portuguesa. Insisto que me chamem de Roni Montearroyo. Soa mais nobre. Boccoro parece algo como babaca, brocoió.

Estudei história - o que torna uma vergonha não saber a origem de meus sobrenomes - mas vivo de escrever Patentes Industriais. Tenho uma vida simples e um cadela, o que não deixa de ser um paradoxo. Cornelia Vanderbilt é um cadela Akita muito refinada que adora tomar clericô.

Moro em um apê velho em um bairro decadente, mas que vem se revitalizando. Antes era decadente, sujo e silencioso. Hoje é Chic, limpo e... barulhento.

Chego todos os dia às 8:00 no meu escritório. Se é que uma sala em um velho armazém na zona Portuária pode ser chamado de escritório.

Nunca me atraso. Nenhum minuto a mais, nem minuto a menos. Tenho princípios. Um deles é ser justo. E nada mais justo para comigo e para com os outros do que ser pontual.

Minha secretária, Cléa Maria, nunca está lá quando eu chego. A vida dela começa entre 9 e 10 da manhã, mais para 10 do que para 9. Chega sempre de cabelo molhado. Tenho a suspeita que toda mulher que sai de casa com cabelo molhado, sempre esquece algo ou não desliga o gás. Nunca os dois ao mesmo tempo. Seria muita maldade. Mas é só uma suspeita. Nada científico.
A despeito dos atrasos, dá para dizer que Cléa Maria é inteligente, ou no mínimo que é esperta, a ponto de, por exemplo, ter aprendido fazer um Crt-C/ALT/TAB/Crt-V com a mão esquerda via teclado. Eu por exemplo, COPIO/Troco tela/& COLO sempre com uso do mouse. Uma eternidade, comparado com ela.

Nossa sala é mal decorada, mas mais ou menos limpinha, muito embora a definição de limpinha, neste caso, não possa ser usada para descrever o estado higiênico e asséptico de uma sala cirúrgica. Nem perto. Procuro não bagunçar muito. Mas é dificil. Cléa, apesar dos dotes cognitivos, não é nada organizada. Se dependesse dela, aquele espaço seria o arquivo morto do Inferno, de tanto papéis empilhados e bronzeados pelo tempo.

Naquela manhã, pus-me a trabalhar em projetos, propostas e orçamentos comerciais para potenciais clientes. Mais propostas e orçamentos do que projetos. Os trabalhos estavam raros.

Às 9:43 (sou chato, 9:43 é diferente de 9:42 ou 9:44), Cléa chegou. De cabelo molhado. Ainda era madrugada para os padrões dela - quase meio-dia para mim. Cumprimentou-me, sentou-se e ligou o micro.
Em seguida preparou o café e serviu o Chefe- é assim que ela se refere à minha pessoa - mais por ironia do que por respeito. Na sequência se concentrou no seu computador, provavelmente em propagandas de MEGAHAIR. Ela sempre deixa isto na tela quando sai para o almoço. Sei, não deveria, mas dou uma olhada geral na mesa dela antes de sair para o intervalo.

E assim trabalhamos naquela manhã.

Às 10:30, para nossa supresa tocou a campainha. Havia 4 anos que ninguém aparecia por ali.

Ninguém interessante, bem entendido.

Cobradores nunca faltaram. Portanto, provavelmente seria mais um deles que, sem ter o que fazer, veio me cobrar contas. Estávamos tão acostumados a apanhar de cobradores que penduramos, para facilitar a vida deles, uma placa na porta: "Antes de bater, entre!". Comprei-a no Bric. O vendedor me jurou que era a original que o Barão de Itararé usava em sua sala.