Acordei e a janela me informou que lá fora rolava uma segunda feira preguiçosa e desarrumada como todo mundo é quando acorda. O brilho do Sol era atrapalhado por nuvens desorganizadas. Tinha tudo para ser mais uma daquelas segundas para cair no esquecimento na madrugada de sábado. Não para mim, que acordei motivado e com tesão (este último no sentido literal do termo). Havia três semanas que a fila andou para mim. Tomei um pé de uma namorada que estava comigo um tempo suficiente para ela me dizer: casa ou vaza. Vazei. Ou melhor, fui vazado.
Como de costume, cheguei às oito no escritório. Dado a bagunça do local, resolvi limpar e organizar nosso ambiente de trabalho. Havia uma série de papéis e sacolas no entorno da mesa de Cléa, minha adorada secretária. Juntei tudo o quanto julguei ser lixo. Pacote de biscoito recheados com duas órfãs dentro, embalagem de batom, capa de iPhone desbotada e trincada, duas ou três sacolinhas para presentes, e varias cartelinhas de pílulas vazias e uma latinha de Fanta uva amassada. Sempre achei Fanta uva uma bebida masculina. Porque guardar tanta porcaria?
Enquanto arrumava a mesa e o entorno do canto de Cléa, ponderei o quanto ela é uma mulher charmosa, embora, às vezes, tenha um estilo enjoativo. Muitos enfeites. Prefiro um estilo mais básico. Mas era uma mulher que despertava desejos. Sonhei com ela algumas vezes. E foram sonhos incontroláveis que me levaram ao clímax solitário. Fantasias.
Já estava tudo no lugar e eu grudado na tela do micro, quando uma golfada de ar entrou pela porta trazendo junto Cléa. Ela nunca entrava de forma discreta.
- Bom Diaaaa, Chefinho! - Cumprimentou com mais bom humor que de costume.
- Bom dia! - Respondi sem tirar a cara da tela.
- Houve um acidente aí em embaixo. Um caos geral!
- Onde?
- Esta tudo trancado... na Avenida, próximo à padaria. Do outro lado da rua. Todo mundo está descendo dos ônibus e indo a pé pro trabalho.
- Ruim! - Resmunguei e segui concentrado.
- Um café, Chefinho? - perguntou, despejando água na cafeteira, metade dentro, metade fora. Uma lambança. Mas acho que ouvi-a cantarolando: "não to nem aí...mas não to nem aí"
Ela não ia me deixar em paz até eu parar e conversar. Parei de redigir a proposta, com a qual também já estava perdendo a paciência. Parei, cocei os olhos, me estiquei na cadeira erguendo os dois braços. E me posicionei para avaliar a indumentária da jovem. A blusa básica verde, soltinha, bem feminina que, pelo que ouço, poderia ser chamada de regata de alcinha era enfeitada com uma fileira de oito botões brancos postados em linha vertical como se fossem peões guardando os segredos da rainha. Por trás da blusa um sutiã branco valorizando os dois volumes que formavam, de tão próximos, um desfiladeiro entre montanhas. Acredito que tenha sido de um visual semelhante a este que Mark Knoffer deu nome à sua famosa banda: Dire Straits (Estreito Ameaçador). Uma calça jeans justa que realçava o corpo elegante, denunciando os 28 anos bem sarados, completavam o visual. Os sapatos de salto, no meu ponto de vista, vulgarizava o conjunto da obra. Uma rasteirinha, ou um sapato baixo seria o ideal. Para mim, ao menos.
- Deixei umas sacolas aqui, ontem. O Sr. viu? - Indagou Cléa, abaixada atrás de sua mesa.
- Olha, o que estava aí, eu guardei. Mas coloquei muita coisa no lixo. - Respondi, focando meus olhos no jeans estufado com duas pernas bem delineadas.
- Uma estampada com flores da estação...esta o Sr. guardou? - Questionou, enquanto arrumava uma das alças da blusinha caída tal como flor dormida em vão seco. Por sua vez, o sutiã fez as honras da casa e se manteve firme em sua função de preservar a moral e os bons costumes.
- Não lembro. Mas o que não está aí, foi para o lixo - Já sem muita paciência, resmunguei.
- Putz, tinha uma calcinha nova que comprei para usar hoje à noite. O Sr. não olhou dentro da sacolinha?
- Olhei. Estava vazia.
Mentira. Não comentei que confundi um pedacinho de pano vermelho que jazia no fundo da sacola com o que julguei ser papel de embrulho com lacinho acompanhando.
- Onde o Sr. largou o lixo? Perguntou, de forma manhosa, mas apreensiva.
- No contêiner, logo em frente o prédio do Seu Nenê, o porteiro.
- Temos que buscar. Não posso ficar sem minha calcinha nova - Convocou sem a mínima possibilidade de qualquer esboço de uma reação negativa de minha parte.
Descemos em silêncio. Na calçada ela começou a descrever a calcinha e quanto havia pago. Chegamos ao contêiner e não necessitou muito esforço para localizar o pacote. Ela abriu e sacou uma calcinha, como esperado, do tamanho de uma moeda de real na parte traseira... a frente valia todo o diâmetro de uma de 25 centavos.
Retornamos pela calçada e ela com a calcinha na mão examinando os detalhes. O acidente, poucos minutos antes, havia acumulado uma monte pessoas na parada e viram a comemoração de Clea tirando a calcinha de dentro da sacola sobrevivente do lixão. Houve assobios e apupos. O Seu Nenê do prédio ao lado parou de varrer, quando os olhos quase saltaram mirando aquela mulher linda sacudindo uma calcinha minúscula tingida, no pouco volume, de vermelho. Irônica e saliente falou pro porteiro, sacudindo a bandeirinha vermelha:
- Presente do chefinho!
De volta ao escritório, se aproximou, me deu um beijo, agradeceu eu ter descido com ela e ronronou ao meu ouvido:
- Esta é tamanho médio. A que estou usando hoje é tamanho pequeno!!
Estava pronto para avançar quando a campanhia tocou. Não tive tempo para mais nada. Apenas passar a mão nos cabelos e Cléa abrir a porta.
Era o rapaz da NET, programado para aquela manhã.
Enquanto o técnico preenchia os documentos, após ter trocado, pela terceira vez, o roteador, perguntei à Cléa quem seria o felizardo, que além de mim, o Seu Nenê, e toda torcida do Flamengo iria conhecer a tal da calcinha vermelha.
- Um gringo! Ele vem duas ou três vezes por ano ao Brasil.
- O que ele faz por aqui, além de seduzir inocentes meninas como vc?
- Não sei bem, mas é algo parecido com o que o Sr. faz. Acho que ele compra e vende empresas.
E ela continuou.
- Não entendo muito. O Sr. sabe, meu inglês é limitado. Mas a gente se entende.
- Sei. Se entendem muito bem, pelo exposto. A bem da verdade, tem coisas para as quais a língua não é problema. É solução. Ainda mais se teu parceiro é um coroa.
- Não fala mal de meu gringuinho! É gente boa!
- Sei que sim! - respondi, sem esconder minha invejinha branca. Ok! Ciúmes, confesso!
E ela seguiu contando como tinha, em uma festa de Réveillon no Rio, conhecido o americano. Que depois ele veio seguidas vezes ao Brasil. Em algumas oportunidades se encontravam no Rio e seguiam para Manaus. Ele pagava todas as despesas. Se hospedavam na Ponta Negra no hotel Tropical. Ela ficava na piscina e ele saia cedo e voltava às quatro ou cinco da tarde. Ela. Ao lembrava, mas foram de seis a sete vezes que cumpriram este rotina. Ela, ainda contou, que uma vez, ele veio a Porto Alegre. Segunda ela, ele teve uma reunião na Capital e depois seguiram para Gramado. Não quiz se hospedar no Laje de Pedras. Achou caído e caro. Foram para O Casa da Montanha.
À noite passei mal. Não consegui dormir, pensando em quais lençóis a Cléa e seu gringo estariam se repoltreando.
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O Caso 2 em 1
ActionRoni Montearroyo é um historiador que vive de escrever patentes industriais para inventores. Possui um escritório, uma cadela, uma secretária e uma conta negativa no banco. Nada acontece em sua rotina até que um dia um inventor apresenta um produt...