A pequena cidade de Thompson Falls havia amanhecido envolta num imenso manto de obscuridade. Aquele cantinho desconhecido do mundo já poderia prever uma tempestade se aproximando. As velhinhas se queixando das famosas "dores nos ossos", e os mais jovens já se viam encasacados à força por suas mães. O céu estava de um cinza escuro e profundo, anunciando o início do rigoroso Inverno de Montana. Por vezes, dou por mim pensando, se algum dia conseguiria sair dali. Apenas deixar tudo para trás e ir. As crianças já não brincavam nos parques, já poucas eram as almas que andavam pelas ruas por pura diversão. O frio gelava os vidros dos carros e arrasava toda e qualquer vegetação rasteira. Aquela pequena cidade, que já era naturalmente chata, se transformava em algo hediondo com a chegada do Inverno. Eram poucos os seus visitantes, e a pequena população de Thompson Falls já se havia habituado a isso. Estávamos fadados a ver os mesmos rostos pelo resto das nossas vidas, e quando esses rostos desapareciam, aqui ficavam os seus filhos e netos. E depois os filhos dos netos, e os filhos deles, e assim continuava...uma bola de neve enorme e chata. É como uma maldição. Observava a entediante cidade pela janela da sala de aula, apoiando a cabeça na parede mais próxima, desejando interiormente sair dali.
Olhava agora ansiosamente para o grande relógio prateado do auditório, enquanto a professora Dilaurantis debitava matéria a toda a velocidade, sem parar sequer uma só vez para respirar. Me perguntava se iria chegar o dia em que ela iria apenas desfalecer com insuficiência respiratória ou apenas explodir. O barulho compassado dos ponteiros estava me enlouquecendo aos poucos, ansiava com todas as forças do meu corpo sair dali, o cheiro a mofo criado pelas roupas encharcadas dos estudantes era agoniante. A sala estava atolada de alunos, grande maioria dormitava e uns poucos outros se mantinham de olhos abertos. Eu era uma delas, estava demasiado inquieta para adormecer. Porém, nenhum de nós tomava atenção a uma única palavra proferida.
Sentia o olhar preocupado e ansioso de Janet preso em mim, tinha perfeita noção de que me observava do outro lado do auditório. Não lhe devolvi o olhar de imediato, nunca soube como lidar com olhares de pena e condescendência. Conseguia imaginar os seus grandes olhos negros me observando com atenção, avaliando cada movimento meu com incerteza, esperando uma reação explosiva tão típica minha. Todavia, me mantive calma. Apertava cada vez mais o pequeno papel que tinha junto do peito, até os nós dos meus dedos ficarem brancos como cale. Não conseguia parar de me debater sobre as palavras lá escritas, me perguntava se a minha mãe já saberia do acontecido. Na verdade, me perguntava se ela se iria importar de todo. Não, provavelmente não iria.
Não me conseguia concentrar numa única palavra dita pela professora, a minha cabeça estava a mil, pensamentos confusos e distorcidos trespassavam os meus pensamentos a uma velocidade alucinante. A minha mente continuava a reviver toda aquela manhã, outra vez e de novo. O correio daquela manhã havia trazido as notícias que mais temia. Quando a aula terminou, recolhi os meus pertences e apertei o passo até à saída, sem olhar para trás. Ouvia Janet chamando o meu nome repetidas vezes atrás de mim, mas não conseguia parar de andar, parecia estar em piloto automático. Me embrenhei na perfeição na grande multidão, desejando em silêncio que Janet não me alcançasse. Não pretendia ter a conversa estranha e desconfortável de novo. "Como você está? Como se sente? Vai ficar tudo bem.", o tipo de diálogo que me sufocava mais que tudo nesse mundo. Cruzei os corredores da escola o mais rápido que consegui, cortando as curvas a toda a velocidade. Os vários panfletos espalhados pelas paredes, anunciando o baile de fim de ano, se tornavam num borrão indistinto à minha passagem.
-Wren!- ouvi a sua voz me chamando uma última vez, dessa vez mais próxima, antes de me alcançar e me tocar no ombro, me fazendo parar e olhar para o seu rosto. Já nos encontrávamos do lado de fora, expostas ao frio quase glacial tão próprio do final de Novembro de Montana.- Quer uma carona?
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MORTAL DESTINY
FantasiaApós a morte do seu avô, Wren decide deixar a grande cidade e retornar à pequena ilha de Saintforttus Hills para apoiar a sua peculiar avó Brenda, que já não via desde a sua infância. É nessa ilha remota e sombria que a sua vida viria a mudar para...