Capítulo DOIS

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Uma a uma as pessoas começavam a adentrar o salão. Ainda antes de sair do quarto fui capaz de ouvir a voz de minha avó paterna. A rainha deposta não era exatamente a personificação da discrição. Pelo contrário, todos sabiam quando ela estava por perto. Eu adorava o jeito que ela passou a ignorar as etiquetas depois que seu filho assumiu o cetro.

-Seus pais a aguardam, senhorita.

-Obrigada, Cass.

Antes que minha mãe aparecesse enfurecida na porta pronta para me arrastar até a entrada, me apressei para terminar de arrumar o quarto. Não gostava de deixar tantos vestidos e sapatos espalhados pelo chão. Parecia injusto aproveitar uma festa enquanto terceiros arrumavam a bagunça que eu deixei. Fechei a porta e desci a primeira escada.

De pé no topo da escadaria que dava para o salão do baile, bem onde imaginei que estariam, meus pais acenavam de mãos dadas. Minha mãe vestia um deslumbrante vestido vermelho e dourado, sua marca registrada. Na manga longa esquerda estava bordado discretamente o brasão de sua família, os Gwens. Na manga direita, o brasão da família real aparecia reluzente contra a luz. Os Knights.

O rei vestia o típico traje de gala real branco e vermelho. Ao lado deles Simon sorria encantador. Seus olhos claros brilhavam em contraste com seu cabelo castanho. O bronzeado recente das praias do litoral que já haviam ganhado diversas vezes as capas das revistas adolescentes. Vestia o terno preto com gravata vermelha combinando. Todas as roupas estavam em sintonia para que a de Addie pudesse ser diferente. Meu vestido, muito previsivelmente vermelho, só não era igual ao de minha mãe pelos detalhes em preto e as mangas curtas.

Juntei-me a eles e desci as escadas do palácio pelo tapete branco que cobria as escadas douradas.

Quando terminamos de descer, um tapete vermelho foi jogado por cima do branco e a multidão começou a aplaudir.

Addie estava vestindo uma calda longa no vestido rosa claro. O único vermelho no traje estava no batom. O cabelo, da cor dos cabelos de Simon, soltos e servindo de repouso para a coroa dourada com a safira vermelha na frente. A coroa da sucessão. Quando ela fosse rainha, seria minha. Quando seu herdeiro completasse dezoito, eu passaria a ele e assim por diante, assim como minha mãe havia lhe dado naquele mesmo dia. Por ordem, antes de ser de Addie a coroa deveria pertencer a Helena, mas ela havia reivindicado do direito de possui-la quando Simon nasceu. Parece que não havia sentido em manter a coroa da sucessão quando se tem absoluta certeza de que jamais seria a sucessora.

Uma hora de ritual se seguiu. Danças, discursos, homenagens e entre outras formalidades demoradas que não precisam ser mencionadas.

-Sua irmã está estonteante essa noite, não acha, querida?

Tia Helena obviamente já havia bebido demais.

-Está sim, tia.

-Ano que vem será sua vez.

-Sim.

-Mas certamente não será assim, grande.

-Certamente que não.

-É ruim, sabe? Sentir-se sempre como a segunda.

-Na verdade, não. O poder vem com muitas responsabilidades, tia.

-Mas também acompanha muita glória, docinho. Você é nova, não entenderia. Você acha que uma coroa te basta, mas não vai bastar quando todos se lembrarem de quem foi sua irmã, mas não fizerem ideia de que você existiu.

-Eu não me importo, de verdade.

-Deveria, Morgana. Eu me importava, e ainda assim não tenho nada do que imaginei que teria. Malditos pais tive eu, que me puseram no mundo para ser reserva de seu pai.

-Não é bem assim, tia Helena.

-Você sabe que é, Anna.

Tia Helena era a única que ainda me chamava de Anna, diminutivo de Morgana que mais tarde se tornou Annie.

-O primeiro filho é o herdeiro. O segundo é o backup se algo der errado. O terceiro nunca vai ascender o trono, não é reserva de ninguém. Só foi posto no mundo porque os pais quiseram um filho.

-Esse não pode ser o motivo do primeiro e o segundo também?

Ela riu.

-Não, Anna. O terceiro é o único filho na realeza. O primeiro e o segundo são produtos para continuar o legado, não podem ser considerados filhos. São negociáveis. Agora veja como são meus pais, seus avós, nem filhos quiseram.

-Certo, tia. Acho que a festa acabou para você antes mesmo de começar.

Ela mal conseguia ficar de pé. Ajudei-a subir as escadas para leva-la a um quarto de hospedes, onde a deixei sob os cuidados de Cass, minha camareira. Só Deus sabe o que ela diria se saísse dali naquele estado.

Eu estava descendo as escadas quando todos fizeram silêncio. Meu pai estava, aparentemente, prestes a fazer um anúncio importante. Do alto do segundo andar, de um lugar aberto acima das colunas a minha direita, ele pediu a atenção de todos. Parei onde eu estava para ouvi-lo dar a notícia mais inesperada da noite.

-Senhoras e senhores aqui presentes nessa noite maravilhosa, gostaria de anunciar em primeira mão uma decisão muito importante que tomei em conjunto a Ângela, minha esposa e rainha de Montreal, em comum acordo com o rei e a rainha do reino de Hillside. Gostaríamos de anunciar uma aliança entre nossos reinos, selada pelo noivado de nossos herdeiros, a princesa Addison Knight de Montreal e o princípe Trevor Hellingide de Hillside!

Nesse momento as portas do salão foram abertas e entrou a rainha de Hillside, Copela Hellingide de braços dados com seu marido, o rei Gilbert Hellingide. Atrás deles, o filho único e herdeiro do trono. Trevor Hellingide. No momento em que ele adentrou o salão, com seus cabelos loiros e olhos cinza, seu sorriso largo e convidativo, vestindo minha alma de paz e calmaria, eu soube. Soube que ele bagunçaria minha vida e a transformaria em um inferno.

Pela primeira vez eu desejei ser a herdeira do trono. Não pelo poder e apesar de qualquer responsabilidade. Mas para tê-lo ao meu lado e ser sua rainha. 

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⏰ Last updated: Dec 03, 2018 ⏰

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