Lua

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           Eu estou me maquiando em frente ao espelho. Eu já estou bem mais experiente do que quando comecei. Minha mãe nunca me deixou usar maquiagem, por isso, só pude começar a me maquiar e a me vestir como queria quando saí de casa. Aliás, eu saí de casa bem mais cedo que a maioria das pessoas da minha idade saem hoje em dia, principalmente porque odeio conviver com a minha família de sangue. Sempre acreditei que família transcende a genética.

            Eu estava pronta. Me olho no espelho. Eu estou bonita. Sorrio pra mim mesma. Lady Gaga parece concordar em seu postar na parede.

            -Lua, você é linda. Independente do que digam.-eu digo, repetindo algo que uma professora havia me dito muito tempo atrás, num dia que eu estava chorando por odiar a minha aparência. Eu adorava aquela professora. 

             Eu pego a minha bolsa e o meu celular, pronta para ir trabalhar. Eu trabalho numa loja de departamento enquanto estou fazendo mestrado. Eu gosto de trabalhar lá. Me sinto acolhida e isso não é algo fácil pra mim. As pessoas não costumam gostar de como eu sou. Mas eu devo admitir que não gosto de como a maioria delas é também. 

            Eu trabalho no caixa. Termino de atender um cliente e quando eu chamo a próxima, ela me fita com olhos arregalados. Típico. Hesita. Já sei até o que ela vai falar. 

           -Será que não tem outra pessoa que possa me atender?-ela pergunta, tentando soar educada. É uma atitude tão idiota, mas eu não ligo mais para quem me trata dessa forma. As pessoas babacas sempre vão existir e a melhor forma de tirar o poder delas é mostrando que o que elas fazem não te afeta.

           -Não, senhora. Hoje é feriado, portanto sou só eu. A troca de turnos será em três horas, caso você queira esperar.-eu digo, com uma voz totalmente entediada. 

           Ela suspira e eu também. Ela não é muito mais velha que eu, mas nossos valores parecem sim bem distintos. Ela está temerosa com algo. Será que acha que eu mordo? 

           -Não, tá tudo bem.-ela fala baixo e evita me olhar.

           Acho engraçado como as pessoas acham que estão sento sutis quando simplesmente não me olham. É risível. 

          -Fique à vontade.-eu sorrio. Já estava blindada contra essas reações. 

         Ela me dá as roupas, todas masculinas, mas evita me tocar. Será que eu sou radioativa agora?

         Vou passando as roupas no leitor e sei que ela me encara. Não ligo muito. Minha maquiagem está linda, de qualquer forma. Pode olhar o quanto quiser. 

          Ela olha para os lados. Não tem mais ninguém na fila. Ela é a única louca que ia compra roupas às dez horas da manhã, quando a loja tinha acabado de abrir, em pleno feriado. A moça se apoia no balcão e olha pra mim fixamente agora. 

          -Posso fazer uma pergunta meio pessoal?-ela pergunta, subitamente tímida. Eu tento não sorrir. Essas perguntas sempre aparecem, é algo com que a gente tem que aprender a conviver.

          -A maioria nem se dá o trabalho de perguntar se pode, então fica à vontade.-eu digo, enquanto passo o cartão dela na maquininha. 

          -Como você descobriu?-ela pergunta. 

         Fico impressionada. Não é uma pergunta tão ruim. Até que essa mulher não é péssima quanto eu pensei. Eu olho em seus olhos e vejo uma certa insegurança. Ela precisa dessa resposta, eu posso sentir. 

          -Eu não sei exatamente quando ou como, eu me sentia desconfortável desde muito pequena comigo mesma. Mas quando você começa a ter tendências femininas tendo nascido homem, as pessoas sempre associam diretamente com homossexualidade. Por isso, mesmo quando me declarei gay, me senti infeliz comigo mesma. Eu sempre fui mulher, só que a sociedade me cegou pra isso, sabe?-eu explico, entregando a nota fiscal a ela. 

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⏰ Última atualização: Dec 24, 2018 ⏰

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