O convite

44 4 1
                                    

Três meses antes

Aquele dia seria mais um dia normal, como qualquer outro daquela semana. Mais um dia tendo que atravessar a cidade para chegar até o shopping e ouvir as reclamações de Michael em mais um dia normal daquele mesmo ano.

Só que esse não foi um dia normal, na verdade, não acompanhei muito bem a linha que separava a normalidade para algo completamente fora dos planos.

Nesse momento estava sentada em uma das mesas de um café qualquer, o qual, eu não fazia ideia da existência antes de ser convidada para ir até lá. Olhava o relógio em meu pulso mais vezes do que cheguei a contar. Ainda faltavam cinco minutos para que chegasse a hora marcada, dez para dizer que ela estava atrasada, quinze para me convencer de que ela não viria e ir embora.

Camila Bennet havia ligado cedo a essa manhã, agradecendo por ter devolvido as luvas e me convidando para um café após meu expediente. E é claro que aceitei sem pensar duas vezes. Na verdade, o convite me pegou desprevenida e fiquei ansiosa por ele o resto do dia. Foi por isso que cheguei antecipadamente, não esperando até a hora de ir até lá. Me rendendo tempo para assimilar o convite, chegando a conclusão que não fazia sentido nenhum ela ter me convidado, entretanto estava feliz que ela o fez.

— Está aí a muito tempo ? — A voz de Camila soou de repente, me assustando como a primeira vez que nos vimos.

— Uh, não, não. Cheguei a pouco tempo. — Menti, enquanto a observava se sentar à minha frente, pousando a bolsa sobre o estofado do sofá ao seu lado.

Ela apoiou os braços sobre a mesa e me encarou, com um sorriso preenchendo os lábios pintados com o mesmo vermelho sangue.

— Estou feliz que não a fiz esperar por muito tempo. Tive alguns imprevistos, mas nada que seja relevante para essa conversa. — Ela se explicou, gesticulando com as mãos.

— Na verdade, a senhora chegou pontualmente. — Apontei com o indicador o relógio em meu pulso, ele indicava a hora exata que Camila marcou para nos encontrarmos.

— Bom, parece que não lhe devo mais
desculpas. Mas por favor, trate-me apenas como Camila, não precisamos manter a formalidade o tempo todo. — A morena lançou-me uma piscadela que me fez sorrir.

— Pois bem, Camila... Sua filha gostou do presente ? Espero que sim. — Perguntei, mostrando-me realmente interessada na sua resposta.

Era uma forma de não deixar que o silêncio pairasse entre nós duas. Tinha uma necessidade de usufruir do tempo, apenas ouvindo-a falar.

— Ela adorou, para falar a verdade. Olívia não para de brincar com o trem. — Sorriu enquanto desviava o olhar para a bolsa, retirou de lá o mesmo isqueiro que vi alguns dias atrás com um cigarro. Acendeu-o entre seus lábios e desviou o olhar para o garçom que veio nos atender, agora o fino cilindro de papel era equilibrado entre seus dedos.

— Boa noite, o que vão querer ? — O atendente perguntou animadamente enquanto intercalava o olhar entre nós duas.

Peguei o cardápio, dando uma rápida olhada para pedir algo qualquer. Para ser sincera, não fazia ideia do que pedir, já que não havia analisado antes.

— Risoto de aspargos e um Martini, por favor. — Camila pediu, entregando o cardápio para o garçom sem ao menos lê-lo.

— Eu vou querer o mesmo, obrigada. — Respondi, assim que o homem me olhou esperando por meu pedido.

Camila soltou a fumaça do cigarro no mesmo momento que minha atenção desviava do garçom para ela. O cheiro de nicotina pairava no ar com uma pequenas nuvens de fumaça saindo do cigarro aceso. Odiava aquele cheiro. Mas a forma como aquela mulher deixava tudo o que encostava mais atraente, não foi diferente em relação àquilo.

— Conte-me mais sobre você, Lauren. Porque trabalha em uma loja de departamentos ? — De repente a sua pergunta surgiu.

— Não era o que eu gostaria, estar trabalhando ali. Mas pagam bem, então terei que aguentar por mais um tempo. — Dou de ombros.

— E o que você gostaria de estar fazendo nesse momento ? — Camila me olhava com tamanha intensidade que fazia com que me sentisse nua perante os seus olhos.

Como alguém poderia ter todo esse poder com apenas um olhar ?

— Eu tiro fotos, nada profissional, mas é o que gostaria de fazer algum dia. — Falei de forma completamente sonhadora. A morena sorriu.

— Fotos ? É algo interessante. Espero que me mostre algum dia seus trabalhos. —

E ali estava a certeza de que veria essa mulher novamente. E só essa ideia me deixava empolgada.

— Seria um prazer mostrá-la em um próximo encontro. — Eu também sorria.

Os olhos de Camila me encaravam como se tentasse decifrar algo dentro de mim, e eu não ousaria desviar o olhar. Aquela mulher poderia conseguir o que quisesse apenas com um olhar. Isso era assustador e excitante ao mesmo tempo.

Ficamos ali por longos minutos, nossos olhares sustentando um ao outro. Estávamos tão compenetradas em apenas olharmos uma a outra que palavras não pareciam suficientes para aquele momento.

Fui brutalmente tirada da órbita castanha que me fitava quando um funcionário aproximou-se da mesa, entregou a Camila uma espécie de bilhete e caminhou para longe dali. Seja o que for que estivesse escrito no pedaço de papel, não agradou nada a mulher a minha frente. Ela suspirou, amassou o papel , deixou sobre a mesa e pegou sua bolsa. Seus olhos encontraram os meus novamente, mas dessa vez sem a intensidade de antes, aquele olhar carregava uma decepção que não havia visto antes nela.

— Sinto muito, Lauren. Estou com uma emergência em casa envolvendo meu marido e minha filha, não posso continuar nosso almoço. Mas continue aí e almoce em paz, tudo ficará por minha conta. — Com a mão dentro da bolsa, ela retirou o dinheiro e colocou sobre a mesa.

Camila levantou da mesa e aproximou-se de mim, despedindo-se com uma simples beijo em minha bochecha.

— Embora o tempo tenha sido curto, adorei estar com você. — Sua voz saiu como num sussurro e sem mais, afastou-se indo em direção à porta do restaurante.

Aquela frase ficou na minha cabeça o resto da semana.

Camila não me ligou mais depois disso, não é como se eu estivesse  em frente ao telefone esperando. Mas esperava por um próximo convite, pelo menos era isso o que pensei que aconteceria com todos os
indícios que ela passou.

Talvez estivesse imaginando coisas , talvez as ações de Camila não passavam de um agradecimento pelo o que fiz pra ela e quando ela mencionou sobre um próximo encontro, talvez ela só estivesse sendo educada. Talvez... Uma palavra de poucas letras mas com o poder tão grande de deixar decisões penderem em um meio onde respostas concretas poderiam não ser dadas. Talvez era simplesmente talvez, não era um não ou um sim, não demonstrava interesse ou decisões, uma maldita palavra que estava  deixando o meu psicológico trabalhar mais do que o normal. Claro que não era só isso, era uma combinação de Camila com as possibilidades que minha mente idealizava também, somando tudo aquilo desencadeava uma frustração imensa por esperar algo que não poderia vir acontecer.

Mal sabia que receberia a ligação dias depois.

Love, CamilaOnde histórias criam vida. Descubra agora