Até depois do fim (Capítulo único)

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Minha vida se tornou a pizzaria, sendo mais específico, meu pequeno palco com longas cortinas roxas. Há dias via um pequeno garoto meio sujinho e com roupas gastas tentar se aproximar das outras crianças, mas sempre era tirado de perto delas pelos pais das mesmas ou era simplesmente ignorado por todos.

Ia embora sempre sozinho, na verdade, nunca o vi acompanhado. Uma noite, decidi segui-lo para saber onde morava. O encontrei dormindo em cima de algumas caixas de papelão. Ou pelo menos tentando dormir. Chovia muito. Você estava tão assustado e com frio. Parecia tão frágil, que um simples toque faria você se desmanchar em vários pedaços. Meu coração apertou tão forte e a única coisa que conseguia pensar era em te proteger desse mundo.

Entrei pelos fundos da pizzaria com o pequeno ser em meus braços. Ninguém havia "acordado" ainda, então consegui entrar sem atrair a atenção de alguém. Cuidei de você com o que podia. Usei panos de prato para lhe secar, tirei suas roupas molhadas e geladas substituindo-as pela blusa que eu usava, a qual ficou até grande demais. Peguei várias almofadas do salão onde crianças brincavam e improvisei uma cama para você dormir.

Acordou olhando para todos os lados sem saber onde estava. No momento em que me viu, ficou tão em choque que sua boca apenas se movia sem produzir som algum.

— Se acalme, por favor. Sei da minha fama, mas não irei lhe fazer mal.

— Fama? — Sua voz saiu tão fraca, quase não pude ouvir.

— Eu falo disso outra hora. Está com fome? — Vejo seus olhos tão inocentes brilharem quando falei em comida.

— Sim, estou sim.

— Fique aqui, vou buscar algo pra você.

Chego na cozinha e vejo minha amiga, Chica encostada no balcão com feições tristes. Quando me aproximo ela se assusta um pouco. Não é pra menos, depois daquele dia quase não sai de trás das minha cortinas.

— É meio estranho ver você aqui fora.

Contei a ela tudo o que aconteceu até agora.

— Se Freddy descobrir, vai ficar furioso.

— Eu sei, mas não me importo. Só vim aqui para levar comida para o garoto. E por favor, Chica, mantenha segredo por enquanto.

Peguei algumas coisas na dispensa dos funcionários. Quando voltei, estava dormindo como um anjo. Fiquei com pena de acorda-lo, mas foi preciso, não podia deixa-lo passar mais fome.

— Acho que já conhece a Chica, não é?

— Sim, venho aqui todos os dias, mas ninguém se importa.

— Como você se chama? — Foi a vez de Chica se pronunciar.

— Brian

— E onde está sua família, Brian?

— Não sei, nunca me procuraram.

— Como assim?

— Um dia eu estava saindo da escola quando me jogaram em um carro preto. Me levaram pra uma casa quase vazia e ali fizeram o que quiseram comigo e...

Brian chorava muito. Olhei pra Chica sem saber o que fazer enquanto ela levantou, se aproximou do garoto e o abraçou.

— Não precisa continuar. — Disse ela fazendo carinho em seus cabelos incrivelmente roxos.

Já vi esses cabelos em algum lugar
Onde?

— Meus pais nunca sentiram minha falta. Um dia eu consegui fugir. Tentei voltar pra minha casa, mas eles haviam se mudado então passei a viver nas ruas.

Memórias Perdidas (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora