As pessoas falam que se sentem realizadas por ajudar os outros e que ficam muito felizes por ver a felicidade dos outros. Eu já passei dessa fase. Eu já disse essas mesmas palavras, eu sei qual o sabor, a cor e a textura delas quando saem dos meus lábios. Hoje em dia, essas palavras são como aquele remédio antigo para tosse: parece bom, mas é amargo.
Sou girassol preso em terra seca, que nada me dá além do mínimo, tentando sobreviver com este mesmo mínimo porque meus anseios são sempre negados.
Os psicólogos e coaches dirão que devemos correr atrás dos nossos sonhos, mas que devemos ser gentis com o outro e ajudá-lo para sermos pessoas melhores. Não dá para ser uma pessoa melhor fazendo as duas coisas. Elas se anulam. São como espinhos numa rosa. Não faz muito sentido que a beleza esteja acompanhada de dor e de tanta angústia. Ajudar o outro é um processo de doação que te faz desaparecer na equação química da vida. Realizar seus sonhos significa seguir os seus caminhos sozinho e retirar o outro da equação química da vida. Não para ter os dois.
Não posso ser Sol quando todos os outros girassóis precisam de mim e se eu nego ajuda, sou tachada de girassol ingrato, desumano e nunca me darão a paz necessária para ser sol. Estarei eternamente presa em terras inférteis, sonhando com os verdes prados dos quais falou o poeta e vendo o céu azul cheio de nuvens brancas se tornar cada vez mais memória. Nada é mais triste do que isso. Alguém que vive para o altruísmo não vai saber o significado dessa dor porque se absteve do outro lado da moeda.
Maldito altruísmo. Para alguns, ser altruíta é uma escolha, para outros é uma obrigação. Você não pode negar ajuda para cuidar de si porque isso seria egoísmo, já que vivemos num mundo de campos distorcidos, onde cima é baixo e baixo é cima, e você não tem o direito de escolher seus próprios sonhos, ser altruísta consigo mesmo, porque existem obrigações.
Sou um girassol exausto, vejo minhas pétalas caírem na terra seca para virar meu próprio alimento, porque já não encontro outra fonte de nutrientes que não seja em mim. E está acabando. Um dia eu não terei mais nada para dar a mim mesma e, então, saberei que meus sonhos morreram. Tudo porque fiz uma escolha obrigada.
Sim. Eu desejo ser sol, mas me obrigaram a ser girassol por causa das convenções de que certos aspectos devem ser cumpridos ou você será uma péssima pessoa e péssimas pessoas não se dão bem na vida. Fui obrigada a escolher meus grilhões porque aproveitam-se do que tenho e não há nada que eu possa fazer, exceto chorar e cumprir.
Vejo o sucesso dos outros e vejo como foi aparentemente fácil para eles abdicarem o outro em prol de si mesmos e ninguém os julga como egoístas. Mas eu sou só um girassol. Não me foi permitido esse luxo da maioria, porque as obrigações me impedem de buscar mais nutrientes, soltar minhas sementes ao vento e encontrar os verdes brados.
E continuo presa.
Minhas pétalas continuam caindo.
Logo serei um girassol que observa o chão, pois até o direito de contemplar o sol me será tirado por este maldito altruísmo obrigatório.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Queria ser Sol, mas sou Girassol
De TodoQuando os pensamentos já não cabem na cabeça, deixamos eles fluirem para algum lugar. E no meio de tudo isso, sou flor que sonha em ser estrela da manhã, mas ainda sim é flor. Sigo o Astro-Rei, esperando a minha vez de conquistar o céu.