- Se o diabo tivesse cabelo loiro e usasse saltos sociais seria essa garota! - diz Lúcia, minha melhor amiga, assim que Roberta Ferraz passa por nós.
- Eu não sei... Ela não parece tão ruim, só pregou umas pegadinhas...
- Pegadinhas? A inspetora Suzana teve que cortar o cabelo depois dela amarrar ele na cabeceira da cama!
Nós duas caímos na gargalhada lembrando desse dia. A verdade é que nenhuma garota aceita muito bem quando vêm parar aqui: um internato no interior de uma cidade pequena. Como ficar longe de toda a tecnologia e ter que aceitar a vida no meio do mato? Muitas de nós passamos os dois primeiros meses em uma espécie de negação, mas logo vem a conformidade e aceitamos que é assim que vai ser. Porém, Roberta Ferraz não é esse tipo de garota. Só Deus sabe porquê ela veio parar aqui, o pai dela é endinheirado então imagino que o escândalo tenha sido grande o suficiente para fazê-lo perder a paciência. Desde que ela chegou o Internato Maria Aparecida nunca mais teve paz, pode parecer exagero mas é a verdade!
Antes, eram só algumas pegadinhas bobas quase como se ela quisesse ser expulsa. Depois, Roberta começou a pregar peças nas monitoras, inspetoras e supervisoras! Claro que tendo um pai rico, ela não foi expulsa, e assim continuou aqui infernizando todo o corpo docente. E acho que agora, depois de quatro meses conosco, ela finalmente aceitou seu destino: presa longe do dinheiro da família no meio do campo com um bando de garotas caipiras. Aposto que ela é esse tipo de menina idiota e mimada que nos vê como seres estúpidos e sem senso de moda. Algo bem superficial como um clichê americano.
Mas, é claro que nunca diria isso na cara dela então apenas sigo para primeira aula do dia e continuo relembrando das brincadeiras da Roberta rebelde.
Mais um dia e eu ainda continuo presa aqui. Quando meu pai disse que em algum momento perderia a paciência comigo, pensei que fosse da boca para fora mas, o meu velho estava mesmo falando a verdade! E depois de ter aprontando aquilo com ele... Bom, tudo isso contribuiu para minha estadia aqui: a escola mais caipira no meio do nada com meninas bobas e ingênuas. Não tem nem internet aqui! O purgatório seria melhor que esse lugar.
Mesmo depois de todas as peças que preguei, não me expulsaram graças ao dinheiro do meu pai. Odeio ser uma Ferraz. Odeio saber o que ser da minha família implica. Parece que toda a minha vida já foi decidida por mim, antes mesmo que pudesse opinar. É com esses pensamentos que sigo para primeira aula do dia: literatura. Apesar de ser no meio do nada, esse internato é realmente incrível! Tem bons dormitórios, áreas de lazer que realmente funcionam e bons professores. Não poderia esperar menos do meu pai, afinal só gostamos de coisas com excelência, obrigada.
Vou para o meio da sala, acabo sentando ao lado de uma menina com longos cabelos castanhos e ondulados. O professor está dando uma aula sobre clássicos, voltada para os romances e o que nós comentaremos hoje é "Romeu e Julieta". Ele olha em volta e faz a seguinte pergunta:- O que vocês, como leitoras, pensam da morte dos protagonistas? - ele diz, questionador.
Antes que pudesse evitar, levanto a mão e digo:
- É a maior estupidez do século! Quer dizer, o cara nem checou se a menina tava mesmo morta! E quanto drama, se matar porque alguém que você conheceu há pouco tempo morreu! Uma tremenda bobagem!
O professor dá um sorriso cínico e a sala explode em risadas. Mas, a garota sentada ao meu lado não ri nem um pouco e, calmamente, levanta a mão:
- Eu não acho que seja bobagem. O amor pode nos deixar fora de si, é um sentimento forte e poderoso. Romeu e Julieta amavam tanto um ao outro que ambos morreriam por causa desse amor.
As risadas desaparecem no ar e todas parecem estar ponderando sobre o que a menina disse. O professor a elogia e segue com a sua aula. No final, ele explica sobre o trabalho bimestral que valerá metade da nota: uma análise sobre Romeu e Julieta. Em dupla, ou seja, a menina que sentou ao meu lado vai ser a minha dupla. Sendo assim, decido me apresentar:
- Oi, tudo bem? Eu sou a Roberta, Roberta Ferraz. - digo, tentando soar simpática.
- Eu sei quem você é. Quando você está livre para começarmos o trabalho?
- Hum... Às sextas-feira.
- Ótimo, te vejo na sexta às 19hrs. Meu quarto é o 206 A. Meu nome é Clarice Rodrigues.
E como se eu nem existisse, a tal Clarice vai embora. Me deixando plantada na mesa. Que sujeitinha detestável. Fazer esse trabalho vai ser um verdadeiro massacre, quem dera ser a grande heroína de um livro de distopia e acabar com tudo isso de uma vez!
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Os Opostos se Distraem | ⚢ (REPOSTANDO)
Teen Fiction[Para Raphaela, que me inspirou a escrever essa história] No interior do Brasil existe o Internato Maria Aparecida, onde somente garotas estudam. É lá que vive Clarice, uma jovem sonhadora e gentil que apenas quer tirar boas notas e conseguir passar...