Capítulo único

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Quando conheci Marcelo o dia estava colorido. Tudo ao meu redor estava limpo e claro, todas as pessoas pareciam felizes e minha alma estava leve. Bom, pelo menos para mim tudo estava belo.

Marcelo era encantador, tinha o riso fácil e os olhos doces. Sentou-se ao meu lado no ônibus e começou a conversar comigo. Foi inevitável não me apaixonar logo de início.

Ele pediu meu telefone, disse que adoraria conversar mais, mas desceria no próximo ponto. Fiquei triste por ter que me despedir, porém feliz por ter encontrado alguém que também gostou de mim, assim como eu havia gostado dele. Passei meu número, e acompanhei-o com o olhar até que ele desaparecesse de meu campo de visão, desde então foi uma angustiante espera.

Aguardei durante o dia todo que ele me mandasse uma mensagem ou me telefonasse e a cada um minuto eu olhava para meu celular na esperança de ver algo diferente.

Já era noite, aproximadamente 11 horas para ser mais exata. Eu já estava desanimada pensando que tinha sido mais uma vez iludida, quando meu celular vibrou fazendo com que meu coração acelerasse, eu sentia que desta vez era ele e eu estava certa. Marcelo havia mandado uma mensagem, pediu-me desculpas pela demora, disse que estava no trabalho até aquele momento e perguntou se poderíamos conversar por ligação, e eu, de imediato aceitei.

Ficamos quase até as 5 horas da madrugada conversando, e a esse ponto eu já sabia muito sobre a vida dele e ele sobre a minha.

Passaram-se oito meses e todos os dias durante a noite, nós nos telefonávamos. Definitivamente eu estava apaixonada e ele dizia que sentia o mesmo por mim, mandou-me flores no trabalho várias vezes, levou-me para sair e, em todos os lugares, tratava-me como uma rainha. Abria a porta de seu carro para que eu entrasse, trazia meus chocolates favoritos a cada vez que me buscava em casa, fazia-me poemas, escrevia-me canções.

Marcelo era o homem dos meus sonhos. E eu, Sofia, era a mulher mais apaixonada que já existiu.

Mas nem tudo é perfeito, e nesse período acabei engravidando e fomos morar juntos. Não era exatamente isso o que eu queria, mas eu estava feliz, porque imaginava que tudo isso nos uniria ainda mais. Mal eu sabia que estava enganada.

Todo o dia Marcelo me agredia, eram puxões de cabelos, socos, chutes...

- Por que está vestida assim, Sofia? Quer chamar atenção? - Ele perguntava-me quando saímos

- Sabe o motivo pelo qual te bato? É por amor. Se eu não te amasse, não te bateria para te repreender - Marcelo dizia-me depois de cada agressão, e eu, tola, acreditava e acabava concordando com tais violências. Pensava que não poderia mais viver e ser feliz sem ele. Acreditava que aquele "príncipe" pelo qual me apaixonei, voltaria e que era só uma questão de tempo. Imaginava que todas as agressões eram porque eu o tinha desagradado, e assim, tentando corrigir meus supostos erros, esqueci-me de mim. Não cuidava mais de minha aparência, não comprava mais roupas e sapatos novos. Não tinha mais a vaidade que há pouco tempo era tão presente.

Foram alguns meses nessa situação, mas tudo mudou no exato dia em que após longos minutos de agressões, desfaleci e fui para o hospital.

Despertei de algumas horas me sentindo completamente deslocada e atordoada, em seguida uma enfermeira aproximou-se de mim e perguntou como eu estava me sentindo. 

 - Não sei – Falei com a voz fraca – Se quer consigo lembrar-me de como vir parar aqui, a última coisa da qual tenho lembrança é de que eu estava em casa, quando meu marido – suspirei – chegou. 

 Olhei lentamente ao redor, eu estava cheia de hematomas, ligada ao soro e alguns aparelhos, nesse momento o médico adentrou a sala e ao mesmo tempo comecei a sentir fortes dores em minha barriga. Foi então que me lembrei de meu filho.

 - Doutor, como está meu filho? – Comecei a chorar desesperadamente – Ele está bem, não é? Quando o médico ficou em silêncio por um tempo, percebi que algo não estava certo, foi então que as palavras "Sinto muito" ditas por ele em seguida, pareceram uma faca sendo cravada em meu peito. 

 - Segundo informações de seu sogro que a trouxe para cá, ao que parece, seu esposo a espancou e você começou a perder muito sangue, ele encontrou-a em meio a uma grande poça de sangue e bastante ferida, com lesões graves na região do abdômen, além de fratura óssea no braço e perna esquerdos. Nós a com urgência para a sala de cirurgia, mas infelizmente, pelo seu filho, não tivemos muito a fazer para conseguir salva-lo, ele já chegou sem vida. Como sua gestação estava de 24 semanas, foi necessária a realização de uma cesariana de emergência.

 Naquele instante, era como se o mundo tivesse acabado para mim, e o grande culpado disso havia sido Marcelo. Como pôde ter sido tão cruel? Fora o responsável pela morte do próprio filho, e isso, mais do que todas as outras coisas que ele havia me feito até agora, era imperdoável. Fui consumida por uma tristeza sem fim, uma parte de mim tinha sido cruelmente arrancada e aquilo não poderia passar impune. 

 Mesmo sem forças e ali naquele hospital, o denunciei no dia seguinte. Foi um longo tempo de angústia para que a justiça fosse feita, mas após alguns dias, Marcelo foi preso.

 Algumas semanas depois, recebi alta e pude ir embora. Diferente do que era esperado, não desanimei, ao contrário, encontrei uma motivação surreal que me fez dar a volta por cima. Apesar da dor física e psicológica, recuperei aos poucos o que de melhor havia em mim, minha vaidade, meu amor próprio, minha alegria, e a certeza de que não preciso de ninguém além de eu mesma para ser feliz. Hoje, alguns anos depois tenho um blog e alguns livros publicados, os quais, conto com detalhes minha história e incentivo milhares de mulheres a colocar um basta em relações abusivas. Sei que a ferida em minha alma jamais será cicatrizada, mas não é por isso que deixarei de aproveitar meus dias e ajudar quem precisa.

DesilusãoOnde histórias criam vida. Descubra agora