Itália
1946
O lugar era quente e trazia alguma sensação de aconchego.
A pouca iluminação vinha fraca e amarela de um canhão de luz pendurado em cima da mesa de veludo verde.
Ouvia-se uma dezena de vozes, junto ao som do tímido piano tocado charmosamente.Entre os homens jogando a mesa, havia um senhor de média estatura e poucos fios de um grisalho cabelo.
Sentado com a postura espalhada,e a camisa entre aberta cobrindo seu abdômen globoso.
O conjunto do rosto gordo, era de alguma forma quase harmonioso.
Tinha olhos verdes, a pele rosada, suada pelo calor e alguns dentes de ouro prendiam maciamente um cigarro.Em seu colo, havia uma dama, que trabalhava na casa.
Sentada com o braço em torno do pescoço do homem, ela exalava sedução.
Os cabelos soltos, todos em um único lado de seu ombro, desaguavam na camiseta extremamente larga que vestia, que de tão desajustada, por vezes não cobria sequer o conjunto em fina renda que vestia por baixo, deixando ainda, marcar a fina cintura da moça, dada a pressão que a mao dele fazia.
Assim como o homem, também ela segurava um cigarro na outra mão jogada para trás, como se fosse atacar com uma torta o rosto de alguém.
Ela a todo tempo sorria, assobiava, comemorando cada movimento do jogador.-Essa é por você, Kiara.- disse ele agitando dados na mão pouco antes de atirá-los à mesa.
-Outra quadra! Vence o senhor Enrico.
Disse uma senhora na ponta da mesa, empurrando com luvas prestas uma pilha de fichas na direção dele.
Kiara sorriu, soltou as mãos para bater palmas, e o beijou.
-Ouvi que os Salvatore estão vindo pra cidade. -disse um dos outros homens a mesa, sentado ao lado de Enrico.
-Também ouvi a esse respeito, mas acho pouco provável que apareça a família toda. Acho que o velho vai mandar o filho- respondeu ele com o cigarro pulando a cada sílaba.
Aproxinou-se da mesa, uma mulher com vestes extremamente compridas, felpudas e elegantes, confeccionadas em tom claro.
- Senhor Enrico, querido!- disse sorrindo.
-Dona Gemma! - respondeu ele de pronto.
-Em muito eu lamento por incomodar o senhor, porém estamos para fechar, e eles querem que a cabritinha cante.
-Não por isso, Gemma. Eu também gosto de ouvir a linda Kiara cantar.
Kiara riu, e disse suavemente:
-Obrigada, mio babbino Enrico.
Ela o beijou mais uma vez, levantou-se e foi, já sob o som de aplausos.
Recebeu, de dois homens, ajuda para subir no palco r posicionou-se em frente ao microfone.
Ela respirou fundo, esperou uma virada do piano e começou a cantar.
Na primeira nota longa, o lugar foi as alturas.
Haviam muitas palmas, brados, assovios, entre outras exaltações.
Ela descia vagarosa e sensualmente segurando o microfone, e então de súbito subia, esfregando lentamente as pernas.
E sua voz forte soou ainda por mais alguns minutos.Era madrugada quando a última cadeira foi posta virada sobre a mesa, e Madame Gemma apagou a luz.
-Bom descanso, meninas-disse ela apontando com as mãos a escada.
-Obrigada!- responderam em um desalinhado coro.
Kiara subiu as escadas com agilidade, e entrou no quarto, se jogando em um dos colchões no chão.
-Eu não aguentava mais- disse ela com o rosto contra o travesseiro.
-Nenhuma de nós aguentava- disse Antonela , uma entre as moças que aos poucos foram entrando e procurando suas camas.-Mas, você ouviu o que o contador disse pro velho Enrico?- disse Kiara virando-se e colocando-se sentada.- a família Salvatore está talvez por vir pra cidade.
-Não é talvez, eles vêm! - disse Madame Gemma, entrando no quarto e colocando o casaco peludo em um cabide e indo em direção a outra porta dentro do cômodo, que dava acesso a um quarto separado.- e já me pediram para enviar cinco garotas para a casa da orla, na semana que vem.
Kiara pulou do colchão.
-Madame, me escolha! Eu preciso estar lá!
-De modo algum, na mesma data acontecerá a cotmemoração do aniversário do coronel Mota, e preciso de você, aqui, cantando.
-Madame, eu...- respondeu ela gaguejando.
-Você fica, Kiara! -disse secamente.- Antonela, Telma, Nina, Ma e Andréa- disse ela apontando a cada uma- vou enviar vocês. Todo o resto fica. Eu não estou pedindo.
E fechou a porta atrás de si.Kiara sentou novamente e deu um fraco soco na coxa.
-É melhor assim, Kiara. -disse baixinho Antonela, ajeitando-se na cama ao lado.- entendo o quanto você anseia por isso, mas está se arriscando de mais por conta dessa vingança.
-Não é só vingança- respondeu também sussurando- você sabe o quanto eu odeio o coronel, e com motivos! Ele tirou tudo de mim. Já fez mal pra muita gente aqui.-disse com o semblante raivoso.- minha única chance de me proteger é me aproximando dos Salvatore. -ela respirou fundo e reperiu- não é só vingança!
Antonela emudeceu por alguns instantes, até que falou.
-Olha, até a data, eu prometo ajudar a conversar com a Gemma, mas não conte com ela mudando de ideia tão fácil.
-Eu nunca conto- respondeu Kiara se cobrindo e virando no colchão- nunca conto.
-Vamos conseguir. - e então respirou profundamente- Boa noite, amiga.
-Boa noite.
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Salvatore
Short Story"Faça da tua vida uma caça por mim. Vigie, corra, sempre". Em busca por vingança, Kiara vê suas chances aumentadas ao lado da família Salvatore, conhecidos criminosos. No entanto a tarefa pode ser mais complicada do que aspira. Mesmo pra moça mais f...