Alguns anos atrás eu havia tentado, sem sucesso, uma vaga nessa escola. Minha mãe também não estava segura se era hora de me colocar na maior escola pública da América Latina, já que eu teria que pegar três ônibus para ir e outros três para voltar. Mas agora era hora do voto de confiança, até porque, seria mais fácil de eu conseguir uma bolsa no curso pré-vestibular se eu já estudasse na instituição escolhida para ser uma das sedes. Deu certo!
O primeiro dia foi confuso, eu mal sabia chegar na sala de aula. Acostumada a estudar em colégios públicos precários, me encantei com os laboratórios, o tamanho do pátio e a quantidade de pessoas diferentes que haviam na escola. Eu não era mais a única menina de cabelo colorido e que ouvia música emo e Lady Gaga ao mesmo tempo. Existia um grande grupo de pessoas idênticas a mim na nova escola e isso era maravilhoso! Mas o que me deixou feliz de verdade foi entrar na sala de aula e encontrar Christina.
Eu e Christina fomos muito amigas quando éramos crianças, ainda me lembro do dia que ela me deu um CD de aniversário e das noites que eu passava na casa dela assistindo MTV. Mas ela havia se mudado. Perdemos contato, já que as redes sociais ainda não eram tão sociais como hoje em dia. Foi até um pouco engraçado, pois no início da aula nós fingimos que não nos conhecíamos. Eu sentei do lado oposto ao dela e ficamos trocando olhares. Na hora da chamada, quando confirmamos quem éramos, nos olhamos e sorrimos. Com a troca de professores corremos para nos abraçar e falar o clichê "Meu Deus, quanto tempo! Eu sabia que era você!".
No intervalo, Christina me contou que tinha voltado a três anos, mas que agora não era mais aquela menininha de antes, estava namorando e saia com uma "galera aí". Logo descobri que ela usava drogas e gostava de falar abertamente sobre o quanto gostava de fazer sexo. Apesar disso, ainda tínhamos coisas em comum, como nosso estilo e bandas favoritas. A música é algo que une as pessoas de verdade. Christina me apresentou os colegas dela na sala de aula e me resumiu um pouco sobre quem eram as pessoas que passariam o ano com a gente.
Além dela, outros rostos conhecidos começaram a surgir. Dividiria o ano com a irmã mais nova de uma ex-melhor amiga minha e com uma menina que estudei na creche. Engraçado, as pessoas crescem mas continuam com o rosto muito parecido. Ambas as meninas eram do grupo descolado demais para se misturar com outros. Eles não queriam usar uniforme, ouviam bandas indie, fumavam e tinham carteiras de identidade falsas, por isso iam em baladas e sempre conversavam sobre isso.
"Eu não preciso de amigos! Eu preciso passar no vestibular!" por dentro eu ficava repetindo isso o tempo inteiro.
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No segundo dia, mais um rosto conhecido apareceu: um ex namoradinho. Eu havia conhecido o Bernardo dois anos antes em um evento de cultura japonesa. Na época eu estava namorando pela primeira vez, mas Bernardo apareceu da maneira mais baixa possível: cantando músicas da minha banda preferida. Ele me disse que tinha a minha idade e trocamos telefone. Quando cheguei em casa ele me ligou e ficamos conversando por horas. Naquele telefona eu sabia que tinha que terminar com o Maycon para ficar com o Bernardo. Foi o que eu fiz. 10 meses de namoro foram trocados por um telefonema, mas eu não conseguia me arrepender, tinha apenas 14 anos e sabia que nada duraria para sempre. O problema é que Bernardo era um mentiroso. Descobri que ele mentiu quase tudo, inclusive a idade: ele tinha 12 anos. Terminei com ele. Se eu era uma criança aos 14, imagina ele...
Quando me viu, Bernardo veio correndo me abraçar. Ele estava mais alto do que da última vez que tinha o visto. A puberdade estava fazendo bem para ele na questão física. Nos primeiros minutos de conversa ele fez questão de falar que estava namorando, como se isso fosse algum tipo de competição e ele havia ganhado com essa notícia. Não liguei muito para isso, queria mesmo era conhecer as pessoas que estavam com ele. Todas pareciam bizarras, assim como eu, e já havia visto alguns deles nos eventos que frequentava.
Aquela se tornou a minha turma no intervalo. Éramos o ponto preto no meio de pessoas usando camiseta branca de uniforme.
Apesar da aparência, todos eram inofensivos. Dividíamos salgadinho, refrigerante e música. Eram os 30 minutos de liberdade que eu tinha, e ele era dentro do colégio. Como eu estudava no período da tarde, não havia tempo para me encontrar com as pessoas fora do horário escolar. Logo começaria o meu curso pré-vestibular noturno e daí mesmo eu não teria tempo nenhum para as amizades. No fundo, era por isso que eu estava evitando me apegar. Era melhor ter colegas de 30 minutos do que criar laços que eu não conseguiria conciliar.
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Quando eu achei que os rostos conhecidos tinham parado, surgiu Lívia, minha melhor amiga da escola passada. Apesar de estarmos no mesmo ano, ela ficou em outra sala e não tinha conseguido vaga para o curso pré-vestibular. Lívia estava namorando um dos meninos do grupo dos 30 minutos, um cara extremamente bizarro que, apesar de ter 16 anos, ainda estava na oitava série. Várias menininhas davam em cima dele e eu só conseguia achá-lo um idiota por repetir tantas vezes o ensino fundamental. Como eu estava solteira, Lívia me apresentou o melhor amigo do boy dela. Ele estava no terceiro ano, na sala dela e era bem bonitinho: olhos azuis, loiro, estilo meio emo e uma pele ótima. Tentamos engatar alguma coisa mas não rolou, ficou só na amizade mesmo. Quando saímos juntos, para não ficarmos de "vela", até dávamos uns beijos, mas nunca passou disso. No final das contas essa amizade colorida também servia para mostrar pro grupo que eu não estava completamente sozinha, dessa forma ninguém dava em cima de mim, o que era ótimo, se eu não queria começar uma amizade naquele ano, imagina um relacionamento. Queria distância de qualquer coisa que me tirasse o foco do vestibular. Eu queria prestar jornalismo e estava super concorrido. Fazer o que? Era o curso que eu sonhava desde criança.
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SEJA MAR - vestibular, drogas e amizade
Novela JuvenilEsta obra mistura uma história real com alguns acontecimentos fictícios. Todos os nomes foram alterados para preservar a identidade das pessoas e para evitar que eu leve o famoso processinho. O que é ou não de verdade, você que escolhe! Eu nunca di...