Sozinho

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Hoje acordei sozinho, apesar de tecnicamente ser algo comum, não era a solidão física que me apavorava, era a ausência do eu. Já se sentiram assim? Como se o corpo fosse um imenso vazio e a alma...onde estaria a alma?

A procura incessante me fez chegar a zero conclusões e como um bom artista, resolvi que a resposta não estava em mim. Se a vida imita a arte poderia eu imitar a vida e através dela encontrar um propósito pra viver.

É um pensamento um tanto clichê 'buscar a sua volta', mas quantos de nós já o fizemos de verdade? Moro nesse prédio a três anos e não sei o primeiro nome do porteiro. Lúcia, minha vizinha me dá bom dia toda vez que saio pra caminhar pela manhã e eu não sei nada a mais que o seu primeiro nome. Eu quero ser lembrado pelo meu trabalho mas não estou construindo nada sólido para que se lembrem de mim.

Vocês sabem o que garante funerais cheios? Quando eu era pequeno costumava a me impressionar com a popularidade póstuma de pessoas comuns, minha mãe dizia que os curiosos e os gratos prestam suas condolências. Que curiosidade minha vida teria? E a gratidão...aaah! A gratidão.

Eu não tive esposa ou filhos, não crio sequer um peixe e passo meus dias escrevendo crônicas para um jornal. O que, convenhamos, não é um trabalho que gera uma multidão de fãs, em cinco anos recebi três cartas e foram elas: uma senhora que lia semanalmente e se alegrava com meus textos, uma tia distante perguntando o que eu tava fazendo com minha vida e o diploma caro e um leitor raivoso, essa foi a melhor, dizia que meus textos quentes induziram sua esposa a o trair. E ao que parece, foi minha maior contribuição na vida de alguém.

E se...eu sumir? Quem notificará as autoridades? Quem ligará para o meu trabalho? E se a única falta sentida for de textos lidos por pessoas que se quer eu conheci.

Isso, isso é estar sozinho...e o maior legado a se construir é e sempre será sua memória no coração de outras pessoas. O que eu me desative a muito tempo, o que agora me persegue e me faz sentir vazio, o que me causa arrependimento, mas ... não é tarde! E em um surto de desespero concluo que não quero morrer sozinho.

Mas, pera aí... não sei por onde começar. Pego o casaco e com olhar triste porém esperançoso resolvo sair pra caminhar, Lúcia chega com sacolas.

- Quer ajuda - falo estendendo a mão e pegando uma das grandes.

Ela agradece, sorri.

E com uma timidez de um adolescente eu solto um sorriso bobo.

- Está ocupada? - ela acena que não com a cabeça - Me conta como foi seu dia?

Um primeiro susto seguido de palavras, palavras e um convite para um café...

Crônicas de InvernoOnde histórias criam vida. Descubra agora