capítulo 2

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Já se sentiu estranho, achando que aquela família não era a sua?! Eu fico imaginando como
seria se eu não tivesse ido embora, talvez eu estivesse melhor agora, ou pior, nunca da pra
saber.
Quando eu era criança, minha tia me ensinou a tocar piano, é um dos meus instrumentos
preferidos, eu podia ficar tocando horas e horas sem parar. Era como se a melodia falasse
comigo, era como se pela música eu pudesse transmitir alegria, ou minha dor.
Mas com o passar do tempo , eu parei de tocar, eu passei a guardar a dor só para mim, talvez
porque eu sentia falta da minha família, talvez porque eu não queria atrapalhar e ser um peso
morto para minha tia. Doía em mim, ainda dói, mas me acostumei, estranho seria nunca mais
doer. Ainda assim, eu podia sentir na minha alma, que faltava alguma coisa na minha vida,
uma coisa desconhecida até hoje.
- Ei, Noah posso entrar, ou ainda está dormindo?
Ouço a voz de Alyson vindo do outro lado da porta, a pergunta dela me tira um breve sorriso,
até porque, se eu estivesse dormindo como eu iria responde-la.
- Pode entrar loirinha.
- Bom dia bela adormecida...
- Bom dia irmãzinha.
- Então, como está? Gostou da decoração do quarto? Fui eu que arrumei tudo pra você.
Ela faz uma cara de quem está muito orgulhosa do seu trabalho, e eu resolvo brincar com isso.
- Não, eu odiei o colchão, está muito duro, e a decoração parece que é de um quarto de idoso.
Ela faz uma cara de surpresa e chateada, mas logo que deixo escapar um sorrisinho, ela
percebe que estou brincando, e joga um dos travesseiros para me acertar. E logo se levanta da
minha cama em direção a porta.
- Vem, levanta daí garoto, vamos tomar café da manhã, meu pai está lá embaixo.
Ela se vira e vai em direção às escadas, não sei o que me deu, mas não estou nem um pouco
feliz de ver meu pai. Eu me apresso colocando uma blusa branca e um blazer, e desço as
escadas hesitando um pouco. Quando chego a mesa, todos estão sentados, eu fui o último a
chegar, normalmente eu acordo cedo facilmente, mas a viagem me cansou muito. Quando
percebem minha presença os seus olhares caem sobre mim, Izumi me lança um sorriso tímido,
minha mãe faz o mesmo, então meu olhar se encontra com o do meu pai.
- Filho...quanto tempo, está um verdadeiro homem.
Ele se levanta para me cumprimentar, e eu sigo com meus olhos os seus passos até mim.
- Pai! – eu o olho nos olhos, minha voz engrossada, derrepente eu senti uma pontada de raiva,e de superioridade – Quanto tempo.

- Vejo que eu não poderia ter escolhido um sucessor melhor para minha empresa.
Ele sorri, e estende a mão, por um momento eu sinto uma imensa vontade de ignorar sua ação, e me sentar na mesa, mas eu estendo minha mão também. Ele se dirige a mesa me convidando a sentar do seu lado.
- Dulce não vai se sentar? – pergunto.
- Não, ela é uma empregada, sabe o seu lugar.
- Ela cuidou de mim mais que você pai, ela era empregada na época também, que eu me lembre ela não era paga para isso. Fez seu papel de pai muito melhor que meu próprio pai.
Ele solta um sorriso, sinto que o intimidei, mas ele faz o possível para que isso não fique na cara.
- Tudo bem, acho que você tem razão sente-se Dulce. Meu menino faz questão da sua presença. Dará um bom chefe.
Dulce me olha recusando com a cabeça, mas eu a encorajo, e ela acaba se sentando ao meu lado.
- Então filho, você arrumou uma namoradinha lá em?
- Eu namorei por um mês com uma garota mãe, mas não deu certo.
- Porque? Ela era muito ciumenta? Claro que sim né, você é lindo.
- Não, ela era legal.
- Ah já sei, você terminou com ela porque tinha muitas outras garotas correndo atrás de você.
- Não, não.
Izumi percebe que estou desconfortável e logo me ajuda a sair das perguntas da minha mãe.
- Ei Noah, tá afim de me dar uma carona pra faculdade?
- Mas, eu não tenho carro.
- Agora tem! Eu comprei um carro pra você, está na garagem.
Mas é claro que meu pai iria comprar um carro pra mim, ele adora gastar dinheiro, e não iria deixar o futuro CEO andar de ônibus, me seguro para não revirar os olhos.
- Tudo bem então Izumi, te dou uma carona!
Izumi se levanta, e eu o sigo até a garagem, um carro luxuoso, daqueles que chamam atenção de longe. Izumi sorri vendo minha reação.
- Esse é meu carro? – pergunto.
- Sim, esse é seu carro!
Izumi entra no carro, e depois de alguns segundos eu também entro.- Você estuda em que escola?
- Adivinha...

- Sei, a escola mais desejada da cidade!
- Um ponto pra você.
- Me diz, papai já decidiu seu futuro?
- Ele fala muito em querer que eu seja Médico.
- E você?
- Eu quero deixar minha marca, enfeitar esse mundo sem cores, quero mostrar meus desenhos, ser um grande grafiteiro.
- Nossa, isso é muito legal.
- Sim, muito, mas você mais que ninguém sabe que se eu falasse isso para o papai ele surtaria.
- É...sei, mas você tem meu apoio, se é isso que te deixa feliz.
- Valeu, sei que você não teve muita escolha também.
- Mas acho que era isso que eu iria escolher também, então não se preocupa. Pronto chegamos.
- Quer descer do carro?
- Por que?
- Não sei, pra verem o dono dele, as meninas vão ficar loucas.
- As meninas?! Acho que...
- Ah, vamos lá.
Izumi saí do carro e todo mundo está olhando, ele não parece se importar, eu resolvo sair também, e os olhares caem em mim, e muitas pessoas falam em voz baixa, mas eu tenho plena consciência do assunto.
- Acho que vou ter muitas perguntas para responder quando eu entrar na faculdade .
- Sim, culpa sua, eu não queria ter descido.
- Relaxa – sorriso.
- Tá, já vou indo, tenho coisas pra fazer.
- Que coisas? Você não vai começar a trabalhar hoje!
Izumi ergue sua sobrancelha como se já soubesse toda a minha rotina.
- Coisas Izumi, coisas...você não precisa saber.
- Tá, tá, vai lá fazer suas “coisas”.
- Aliás, você não acha que tá muito cedo pra você vir para faculdade?
- Bom, talvez, você tem suas coisas para fazer, eu tenho as minhas.
Ele pisca, e se vira dizendo tchau. Quando eu cheguei ele era tímido e reservado, agora está se
abrindo, e se quer saber de tímido ele parece não ter nada.

Eu volto para dentro do carro, ainda sendo acompanhado por olhares curiosos. Eu passo por várias ruas fazendo de tudo para evitar chegar em casa, mas eu não poderia fugir para sempre, mesmo que eu quisesse muito fazer isso. Então resolvo parar de andar em quarteirões e paro em uma praça.
Algumas pessoas correm em pares se exercitando, outras preferem ficar sentadas debaixo da sombra das árvores, e eu provavelmente vou fazer o mesmo.
Eu acho um banco e vou direto na direção dele o mais rápido possível para que ninguém se sente nele, mas ando tão rápido que não percebo e acabo batendo em um homem sem querer.
- Ou, desculpe, me desculpe, eu não tinha lhe visto.
Quando olho um pouquinho para cima, ele também me olha, ele não parece ter ficado com raiva, nem nada do tipo. Sem querer eu o olho por mais tempo que o normal, ele tem cabelos médios, alguns fios presos para trás, olhos de âmbar, e ombros largos, ele acaba sorrindo pra mim, acho que porque eu estou o olhando demais.
- Não precisa se desculpar, eu também não tinha te visto. Sinto uma extrema necessidade de me apresentar.
- Noah, quero dizer, meu nome é Noah, não o seu nome é Noah, quero dizer...
Mas uma vez ele sorri, um sorriso ainda mais largo, minha confusão vai acabar fazendo com que eu saia correndo dali.
- Muito prazer Noah, eu sou Ryan.
- Prazer é seu...nosso, não, o prazer é meu – o que diabos eu estou falando?!
- Você é engraçado – gargalhada.
Sinto que estou ficando vermelho, é sempre a mesma coisa.
- Então, tá, é...acho que vou deixar você voltar pra sua corrida.
- Você é novo por aqui né?
- Sim, sou, como sabe?
- Eu venho aqui direto correr um pouco, nunca te vi aqui, a praça é um pouco parada, mas hoje eu ganhei meu dia vindo aqui.
- Como assim? – pergunto.
- Você me fez rir, não é qualquer um que consegui isso, eu estava precisando disso.
- De alguém que te fizesse rir?
- Sim, faz tempo que eu não vejo alguém ficar tão vermelho.
Ele sorri, e pisca, e a cada minuto estou mais e mais vermelho, o que faz ele dar boas risadas.
- Diga pra mim Noah, eu te intimido? O seu olhar fica mais profundo.
- N-Não, eu...
- Relaxa, eu estou brincando com você, mas espero te ver novamente. Tenho que ir.
- Tá, claro tchau!
Ele se vira ainda com um sorriso nos lábios. Afinal, o que aconteceu aqui foi estranho, porque ele me intimidou de tal forma?!
Meus olhos ainda insistem em observar suas costas, isso nunca aconteceu comigo antes, meu coração está a mil por hora, deve ser por causa da adrenalina. Quando ele fica bem longe eu volto ao meu normal, ele tem cara de ser uma pessoa sagaz, confiante, e muito, muito bonito. O que eu estou pensando, estou ficando louco já.
Eu me apresso e volto para o carro, e aquele homem me acompanha nos meus pensamentos, ele tinha um olhar muito doce, apesar de ser um pouco maior que eu ele era bem fofo, nunca tinha pensando assim sobre um homem antes, é muito estranho.
Quando chego perto da garagem vejo o carro do meu pai saindo, isso quer dizer que não vou precisar falar com ele mais, pelo menos até o jantar. Entro em casa e vejo minha mãe conversando com Dulce.
- Oi filho, você demorou, vai me dizer que trombou com alguma menina na rua?
- É...mais ou menos isso. Vou subir, preciso ver algumas coisas.
- Tá bom, tá bom.
Eu queria me aproximar de todos, mas algo me diz que é melhor não, Dulce me olha enquanto me afasto, acho que ela sentiu que eu estava distante. Chegando no meu quarto me jogo na cama, eu bem que queria fechar meus olhos e todos os meus problemas desaparecer, mas não é tão simples, nada é, e nada nunca vai ser.
Mas eu não estudei tanto pra nada, se eu cheguei até aqui eu vou continuar, mesmo que seja difícil, eu tenho que continuar, por mim mesmo, e eu vou conseguir se eu acreditar que vou.

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